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05/04/2008 09:45

Uma crônica conta como foi a 500 Milhas na visão de Norberto Martins pai, o Betão

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Ao invés dos ótimos e tradicionais balanços das equipes quanto à suas participações na 500 Milhas, recebemos uma crônica – no mínimo interessante – que reproduzimos abaixo.

Confira:

O ANJO MAU

Ainda vivemos a emoção das 500 Milhas, com todos os seus bons e não muitos bons componentes, e para celebrar o evento, nossa equipe, composta pelos pilotos Gilson Fonseca, Lucio dos Santos,Victor Gomes, George Ibanez, Norberto Martins (Betinho), Jônatas Martins e apoiada por Norberto Martins (Pai), João Paulo Cauduro Fº e os preparadores Fritz e Laco, reuniu-se em torno de uma mesa, onde rolou churrasco, acertado pelo Lúcio, cerveja, muito papo, muitas estórias e histórias, procurando sempre maior aproximação, reforço da amizade e propostas para consolidação e melhor desempenho da equipe.

Dentre as figuras colocadas à mesa, destaco, nesta crônica, o Anjo Mau. Desfilava pelo box, que acabamos dividindo, sisudo, com bigode vermelho, dentro de um macacão branco, não sei se novo, mas parecia estar até engomado. Aquela indumentária toda, somada às suas atitudes, me fez lembrar uma pavão, não fosse um fone laranja que transportaria sua imagem tão requintada a um operador de empilhadeiras, com todo o respeito aos operadores de empilhadeiras que usam esse EPI (equipamento de proteção individual). Essa figura me chamou a atenção. Foi agregando tralhas ao box, dando a impressão de ser tremendamente organizado, e até acho que é. Tabuletas, placas de sinalização, hastes, estrados, armários, notebook, rádios, pranchetas, planilhas, TV, comes e bebes, enfim... . Muito eficiente, mas pouco eficaz. Nada afastava do seu semblante o ar de grande conhecedor, grande dominador e proprietário exclusivo de qualquer coisa que estivesse acontecendo ou que fosse acontecer. Sua performance começou a criar uma sensação de que éramos intrusos naquele lugar, muito embora ali estivéssemos por um gesto de cortesia nossa de ceder nosso box fechado a uma equipe de São Paulo, que acabou não fazendo uso, mas isso é outra história.

Saí de dentro daquele ambiente e procurei um lugar à frente do box, na barreira de pneus que separa a área de rolamento dos box. Achei minha poltrona que me dava uma maior abertura de visão.

Via e ouvia sua insistência em retirar a faixa afixada a frente do box que identificava nossa equipe. Gesticulava e falava com um e outro, sempre com a ameaça de retirar a faixa, chamar a direção de prova, comissários etc... . Ocorreu-me que era inveja por não ter nada que identificasse a sua equipe. Minhas baterias foram se sobrecarregando e num gesto repentino voltei ao box dizendo:  Se ele colocar a mão na faixa dou um soco na cara dele, dirigindo-me a todos que estavam em volta. Foi o contraveneno. Eu queria quebrar a crista do pavão. Teve efeito, pelo menos aparentemente. Sorrateiramente colocou dois adesivos na nossa faixa. O primeiro dizia "É proibido fumar", até concordo, pois fumo dois maços por dia. O outro utópico para o evento "Fale apenas o necessário".

Resolvendo dar mais visibilidade ao seu kart, consultou o Chefe de todas as equipes e perguntou: Chefe como posso deixar meu kart mais brilhante? Ao que Deus respondeu: - "Coloque umas luzinhas brilhantes na bundinha dele".

Todo aquele evento era surpreendente. Traçado novo, piso desconhecido, temperaturas variadas, chuvas intercaladas, motores sorteados, etc... . Dentro dos acertos possíveis, um era fundamental, pressão dos pneus. Numa prova de longa duração, naquele contexto, excesso de pressão dá desgaste prematuro de pneus, motor, prende o kart, trazendo perda constante de rendimento.

O kart foi para o parque fechado. Afastadas as superstições e tendências políticas, recebemos por sorteio o nº 13. Não havia mais nada a fazer. Agora era aguardar a largada e andar até a primeira parada de 15 minutos. Naquele momento ainda não tínhamos discutido a questão da perda de rendimento em função da pressão dos pneus. Daí o Grande Arquiteto do Universo, Chefe de todas as equipes entrou em ação. Tudo tem seu preço. Mandou um "anjo" entrar no parque fechado, não sei como conseguiu, para baixar a pressão dos pneus. Advinha quem era o anjo? Ele mesmo, o bigode vermelho. Como nos desenhos da corrida maluca, que há muito passava na TV, ele baixou a pressão dos pneus do 13, do nosso kart. A intenção dele vocês sabem, mas.... o tiro saiu pela culatra.

Veio a primeira volta e a quebra. Bomba de gasolina. Que bomba. Tivemos que queimar uma parada. Agora a perna vai ser maior. Pela viseira olhava o rosto do meu filho, não acreditando no que estava acontecendo. Ninguém cronometrara a passagem na linha de chegada. Aguardávamos os intermináveis 15 minutos. Com força eu gritava para a voz atravessar o capacete: - Betinh,o toca o pé, ainda estamos na prova. Estamos na prova. Todo mundo vai ter que parar.  Ilusão. Uns não precisaram queimar os 15. Bom, mas o resultado nós sabemos, o kart melhorou, descobrimos ontem na comemoração o motivo. Foi ele, o bigode vermelho. Colocamos dez volta em cima dele. Ganhamos a prova e levamos o título de vice na inauguração do Velopark, de onde ainda escreverei muitas crônicas. Na vida também é assim. Às vezes alguém acerta o set up pra gente, mesmo que acidentalmente. O importante é sempre nos mantermos na prova.

Imitando o bigode vermelho, resolvi falar com o Chefe e perguntei: Senhor, porque fizestes tudo isso?

Ao que ELE me respondeu:

Eu criei esta bosta a partir de um cortador de grama para vocês testarem seus limites e atrás dos seus limites entenderem que nada se faz sozinho. E que o limite disso não se encerra em si mesmo. Isso foi feito para vocês conquistarem pessoas e não um pedaço de madeira com um metal inscrito. A corrida é um momento especial para reforçar amizades, viver fraternalmente, obedecendo a regras criadas por vocês mesmos.

Eu fiz para ver piloto abraçado com piloto, piloto abraçado com mecânicos, mecânicos abraçados com os filhos, filhos abraçados com avós, namoradas, esposa, enfim, tratando-se como irmãos, tudo sendo registrado por alguém atrás das lente, preenchendo planilhas, gritando e empurrando o kart.

Eu fiz isso para vocês levarem para fora das pistas. Levem essas experiências para dentro de seus lares, vá além dos seus limites na busca da verdadeira fraternidade, com seus vizinhos, com seu patrão, com seu empregado, com seus pais, com seus filhos, com sua esposa.

Toda a vez que olhar para aquele troféu lembre-se que ele foi conquistado por uma equipe da qual você faz parte, onde os defeitos de uns são supridos pelas virtudes de outros.

Nossa bandeirada de largada já foi dada quando nascemos e a nossa corrida busca a perfeição. Ah! Se não houvesse erros não teríamos o que escrever, o que contar, o que comemorar e como demonstrar nosso carinho e agradecimento a tudo isso, como fizemos em nossa reunião. A cada prova (etapa) nas nossas vidas, só valerá a pena se conquistarmos mais e mais pessoas para a galeria do nosso coração.

Um grande e fraternal abraço a todos e obrigado por terem me proporcionado mais essa satisfação.

Ron Dennis

"Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei entre eles."

  • 05/04/2008 10:39 Maurobala

    Espetacular !!!

  • 05/04/2008 22:12 Neco

    Achei EXCEPCIONAL sua crônica, continue escrevendo, Vivi momentos no kart que nunca mais esqueci, conheci pessoas incriveis e aprendi que equipe é melhor que familia.