Antagonismo do poder e da razão
Política e boa administração jamais foram atividades tão antagônicas quanto na atualidade da administração pública, seja ela nacional, estadual ou municipal. Para satisfazer egos e gerar vantagens indevidas, trata-se o cidadão e o destino dos impostos com respeito nulo e locupletação ampla, geral e irrestrita.
Na manhã desta terça-feira um novo exemplo será consumado: o responsável pela SPTuris, David Barioni Neto, convidou entidades e locatários para um encontro onde "serão tratados os assuntos relativos ao Autódromo José Carlos Pace". Como se não bastasse a insegurança logística e sanitária com que clubes e federações convivem para realizar eventos esportivos em uma praça construída para tal, nos últimos dias surgiram boatos que Barioni Neto vai anunciar mais reformas e uma possível interdição da pista por todo o ano de 2018. Para tal reunião não foram convocados promotores de shows, eventos religiosos e similares. Nem mesmo vereadores paulistanos que representam a região ou defendem os interesses do esporte a motor estão a par da pauta da reunião.
Inaugurado na década de 1940, Interlagos sobreviveu sem maiores problemas por cerca de meio-século: em 1991 uma reforma dilacerou um dos traçados mais interessantes e desafiadores em todo mundo. Sem preocupações básicas como preservar um bem público criou-se um mecanismo para empurrar novas reformas anuais e drenar o erário municipal, sem deixar de lado os prejuízos causados ao mercado de trabalho de quem vive do esporte a motor. Arquibancadas temporárias, construções que não atendem às necessidades básicas de quem usa o local na maior parte do ano e obras de concepção e qualidade extremamente discutíveis tornaram-se o padrão de resultados de tais intervenções justificadas como exigência da Fórmula 1.
Desta vez tudo indica que a planta aprovada para consumir mais outros tantos milhões de reais será a construção de uma curva em formato de “S” onde hoje existe a chicane do Café. O projeto desenvolvido com a colaboração da Associação de Brasileira de Pilotos de Automobilismo (ABPA), caso aprovado, deverá exigir grande movimentação de terraplanagem na área, porém nada que tecnicamente justifique a interdição do autódromo por cerca de uma temporada.
Nos últimos dias iniciou-se a derrubada dos boxes atuais para erguer um novo edifício com pé direito aumentado em 40 centímetros, alteração que configura um gasto extremamente alto para uma suposta adequação das instalações para… a Fórmula 1. A autoridade dos promotores do Grande Prêmio do Brasil sobre o circuito paulistano é tamanha que até mesmo arquibancadas construídas com dinheiro público são mantidas parcial ou totalmente fechadas para atender suas necessidades. Ao usar o termo “necessidades” é impossível não lembrar do odor gerado pelo esgoto que corre quase a céu aberto no pátio da antiga curva do Sargento, praça hoje transformada em box alternativo.
No apagar das luzes da administração de Fernando Haddad, a SPTuris aumentou o preço de aluguel do autódromo em cerca de 300% e em janeiro de 2017, com João Dória Jr. "acelerando" sua trajetória política, alterou as bases de locação para uso da pista. Em fevereiro a Federação de Automobilismo de São Paulo (FASP) foi obrigada a depositar 10% do valor equivalente ao aluguel da pista para realizar seu calendário, sem ter qualquer garantia que as datas seriam respeitadas e que os serviços alocados seriam entregues. Até então esse valor era pago com 15 dias de antecedência de cada prova e o saldo completado no início do período de locação.
É fato que o calendário de 2017 teve datas canceladas e alteradas e em várias ocasiões os boxes não puderam ser utilizados, gerando custo extra aos promotores dos eventos, o que gera a mesma insegurança que empreendedores e investidores sentem quando consideram investir no País. Nem por isso a SPTuris propôs ou ofereceu qualquer tipo de devolução de valores pagos ou compensação, apesar da energia elétrica ser cobrada a preços que variam mais de 100% sem explicação, os banheiros não têm iluminação ou água quente, o ar condicionado não funciona porque ninguém sabe onde está o controle remoto de cada aparelho e o público que vai às arquibancadas nem sempre tem acesso aos sanitários.
Não são poucos os que enxergam no comportamento atual da SPTuris uma combinação malévola e perniciosa para gastar fortunas com obras inadequadas e discutíveis. Algo como a necessidade de criar uma situação que caracterize Interlagos como um parque municipal que só gera prejuízos e a manutenção de um sistema que facilita a prática de corrupção e caixa dois. Em outras palavras, egos e lucros a tratar o cidadão e o destino dos impostos com respeito nulo e locupletação ampla, geral e irrestrita.