Antes cedo do que tarde
A happy hour parisiense da última sexta-feira foi das mais alegres para quem sente falta de uma Fórmula mais barulhenta, com mais construtores e carros menos tecnológicos. A julgar pelas declarações de Jean Todt ao final de um encontro na sede da Federação Internacional do Automóvel (FIA), dia 31, em Paris, esses três parâmetros deverão ditar as bases dos motores que equiparão os carros de…2021. Tal suposto excesso de cautela na definição dessas regras poderia ser muito bem aproveitado no Brasil, onde o automobilismo sobrevive apesar das eternas e inexplicáveis reformas em Interlagos, o excesso de atenção dado à realização do GP da F1 em detrimento do que acontece nas categorias nacionais e regionais e na perene falta de transparência dos dirigentes e promotores com seu mercado consumidor formado por pilotos, preparadores e patrocinadores, em particular a forma como a empresa SP Turis administra o autódromo paulistano.
Além das marcas já envolvidas como construtoras ou fornecedoras de unidades de potência (Ferrari, Honda, Mercedes e Renault) representantes da Alfa Romeo (Harald Wester), do grupo Volkswagen (Stefano Domenicali), o engenheiro Mario Illien (atualmente prestando consultoria à McLaren) e Wolfgang Hatz (ex-chefe de pesquisa e desenvolvimento da Porsche) foram vistos em Paris, além de supostos enviados não identificados da Cosworth e de uma segunda fabricante japonesa. Se isso não configura interesse direto na categoria, certamente demonstra a necessidade de estar a par das tendências da F1, algo debatido desde o final da década de 1980, quando o inglês Max Mosley lançou sua candidatura frente ao francês Jean-Marie Balestre.
Naquela época já era discutida a implementação da eletrônica embarcada nos carros defendida por Mosley, que argumentava a possibilidade de “termos um autódromo onde o estacionamento do público terá carros tecnologicamente mais avançados do que aqueles que estão disputando o GP”. Eterno rival de Mosley, Todt lembrou na última sexta-feira as dificuldades de se seguir por esse caminho: “É um ponto muito delicado: por um lado a mobilidade está evoluindo e seria difícil admitir que a categoria mais importante do automobilismo não acompanha essa evolução. Não estou pensando em ter uma F1 com carros autônomos ou conectados, mas é isso que o mundo está vendo hoje e para onde a indústria automobilística está olhando hoje em dia. Carros tecnológicos demais é algo não necessário ao esporte”.
Todt ponderou ainda que os carros estão cada vez mais sofisticados. O francês, que iniciou no esporte como copiloto de rali e liderou as operações esportivas da Peugeot e da Ferrari antes de assumir a carreira política, também colocou em cheque os processos de desenvolvimento de produto “caros e complicados” e as novas formas de energia, onde carros elétricos serão mantidos em uma categoria própria e usados em competições realizadas no centro de grandes cidades, segundo ele o “cenário ideal para essa solução”.
O francês enxerga um grande futuro para automóveis elétricos dotados de células, ou pilhas, a combustível, fonte de energia que poderá ser adotada em alguma categoria no futuro. No que diz respeito à F1, porém, ele afirma que “vamos continuar com motores mais convencionais, o que não quer dizer voltar a usar soluções empregados dez anos atrás”. Diante disso o grupo de estudos que discute o regulamento de 2021 volta a se reunir em dois meses para falar de carros híbridos, motores mais barulhentos e soluções mais econômicas e que facilitem manter a F1 existindo em um cenário de maior equilíbrio técnico e, sim, permitir que os pilotos sejam mais pilotos.
Enquanto isso, aqui…
Enquanto isso, o prefeito João Dória Jr. segue evitando esclarecer o que realmente pretende fazer com o autódromo de Interlagos, um parque municipal situado em área de manancial e de proteção ambiental e que foi criado com o propósito de servir como local para a prática de esportes a motor. Vários profissionais do automobilismo paulista estão empenhados em estabelecer um diálogo construtivo com o Dória Jr., que até agora tem evitado receber os representantes da comissão “Interlagos Hoje”. O fato que vários vereadores já manifestaram interesse em conhecer mais a fundo a forma como a SP Turis administra o local poderá alterar a postura do prefeito. Há indicações de que essa empresa público-privada explora o local a custo zero, não recolhe impostos e permite facilidades questionáveis aos promotores do GP do Brasil de F1.
O lado positivo da possibilidade de venda do autódromo, algo questionável diante do fato de se tratar de um parque público, é justamente a união que começa a nascer de setores que vivem em função do esporte. As reformas realizadas em Interlagos são adequadas aos padrões da F1 em detrimento das necessidades do automobilismo nacional. Mesmo assim o grupo “Interlagos Hoje” não é contra a realização do GP, porém cobra a utilização e adequação mais racional do autódromo, com mais datas para competições nacionais e regionais, além de uma administração mais transparente, particularmente das receitas e despesas.