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23/06/2020 17:00

Automobilismo vive mudanças involuntárias

Escrito por Wagner Gonzalez
Jornalista especializado em automobilismo de competição

F-1 lança campanha para reposicionar sua imagem como categoria de igualdade social


Não faz muito tempo seria difícil imaginar que uma pandemia e um ato bárbaro acontecido na cidade de Minnesota pudessem causar tamanha repercussão dentro de autódromos. Categoria historicamente refratária à temas de comportamento social, a Fórmula 1 anunciou ontem uma campanha para difundir sua nova imagem institucional com foco na inclusão. Nos Estados Unidos o FBI (Agência Federal de Investigação) foi chamado a investigar um fato certamente inédito: durante a etapa de Talladega, disputada ontem, uma forca foi encontrada no box de Bubba Wallace, único piloto negro dessa especialidade.

O ambiente em um paddock de F1 sempre exalou uma mescla de cores e aromas que se combinam numa amálgama que gera oportunidades para imagens exaltadas pelas câmeras de cinegrafistas e fotógrafos. Nesse processo, palacetes montados sobre enormes reboques recebem mortais ansiosos por virar celebridades enquanto se misturam a celebridades que preferem disfarçar, até esconder, a realidade suntuosa que vivem fora dali. Detalhes mundanos como leis trabalhistas e décimo-terceiro salário são temas que jamais são credenciados para circular nesse espaço.

Forçada a interromper um dos seus atrativos comerciais mais fortes, apresentar-se quinzenalmente pelo mundo entre março e novembro, a forma mais exuberante do automobilismo mundial ensaia seu regresso dentro de novos parâmetros. Sem convidados selecionados para gerar cliques e com arquibancadas vazias, buscou-se um artifício para gerar impressões e construir uma imagem mais palatável aos padrões do socialmente correto de nossos dias: no GP da Áustria, dia 5 de julho, carros e painéis ao longo da pista levarão a mensagem “WeRaceAsOne” obviamente acompanhada de uma hashtag.

O conteúdo implícito nessa frase remete a algo do tipo “aqui não se vê cara nem coração, somos todos iguais”, ou seja, nega-se o racismo e outros preconceitos como os de gênero e origem. A Liberty Media (proprietária dos direitos comerciais da F1) e a Federação Internacional do Automóvel (FIA) insistem que a proposta não tem prazo de validade e será reforçada ao longo dos próximos meses. Nada mais justo: não se transforma um mercado de trabalho há sete décadas dominado por homens brancos do dia para a noite, muito menos de um GP na Áustria para outro na Hungria, uma quinzena mais tarde.

Detentor de seis títulos mundiais na F1, o inglês Lewis Hamilton embarcou nessa movida com algumas voltas de atraso em relação a outros esportistas negros, em particular norte-americanos. No fim de semana anunciou o lançamento da Comissão Hamilton horas antes de participar de um protesto que celebrou o movimento “Black Lives Matter” nas ruas de Londres. Sua proposta foca no engajamento de mais negros em temas como ciências, tecnologia, engenharia e matemática, algo também em voga e identificado pela sigla em inglês, STEM.

O fato mais contundente das mudanças que são cobradas no momento aconteceu nos Estados Unidos, mais especificamente no box de Bubba Wallace, piloto de ponta da Nascar, modalidade que se consolidou na região mais segregacionista dos EUA. Dois fatos lastimáveis construíram um cenário que levou os dirigentes da categoria a banir a exibição da bandeira dos estados confederados que identifica essa área. No primeiro deles Kyle Larson usou um insulto racista contra um rival durante uma corrida virtual (“Você não consegue me ouvir, negro?”) e acabou despedido da equipe Chip Ganassi.

Semanas mais tarde o inaceitável assassinato de George Floyd, asfixiado pelo policial de Minneapolis Derek Chauvin, provocou uma onda inédita de protestos por inúmeras cidades norte-americanas, fenômeno que no domingo alcançou a categoria automobilística mais popular dos Estados Unidos. Para tratar de temas envolvendo esses acontecimentos, Brandon Thompson foi anunciado, há uma semana, como vice-presidente para assuntos como diversidade e inclusão.

Neste fim de semana foi encontrada uma forca no box da equipe de Wallace que disputava uma prova em Talladega, cidade localizada no estado do Alabama. O fato repercutiu de forma ampla, geral e irrestrita: aos 82 anos de idade, Richard Petty – o maior vencedor da categoria- abandonou seu isolamento coercitivo e foi ao circuito solidarizar-se com o piloto que defende seu time; mais, todas as equipes escoltaram o carro 43 no processo de formação do grid de largada.

Ato contínuo, mais uma “hashtag” foi criada para divulgar a palavra de ordem “I stand with Bubba”(“Eu estou com o Bubba”). Para reforçar a seriedade de propósito em acabar com o racismo,  Steve Phelps, presidente da Nascar, admitiu que uma vez descoberto quem deixou a forca na garagem de Wallace será banido para sempre da categoria. Seja quem for, as chances de ser descoberto são grandes: a agência federal convocada para descobrir o autor da asneira tem fama de levar a sério seu trabalho.

Na McLaren o problema é $ - Há alguns meses Zak Brown, CEO da McLaren, vem fomentando o processo de instituir limites de gastos na F1, algo que culminou com a introdução de um teto orçamentário 2021 estipulado em US$ 145 milhões por equipe (cerca de R$ 762 milhões ao câmbio de 22/6/2020). O que não se esperava é que a situação da sua empresa estivesse tão ruim a ponto de estabelecer mecanismos legais para garantir novos empréstimos e evitar que bancos e instituições financeiras possam executar dívidas ainda em período de amortização. Já se fala que até o dia 17 de julho será necessária uma injeção £112,8 milhões (aproximadamente R$ 740 milhões) para cobrir as perdas geradas pelos fracos resultados no Mundial de F1 e a queda nas vendas e encomendas dos seus carros de rua.

Segundo a BBC, um grupo de credores se opõe ao uso da coleção de carros de corrida e seu centro tecnológico como garantias de um novo empréstimo alegando que esses bens já estão comprometidos em outras operações financeiras. A situação ganha ares mais pesados quando se nota que recentemente o grupo anunciou o corte de 1.200 vagas e viu rejeitada sua demanda de assistência financeira do governo britânico para empresas afetadas pelo Covid-19. Fica no ar se a recente mudança de Daniel Ricciardo trocar a Renault pela McLaren não se transforme em outra decisão que prejudicará a carreira do australiano.

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