Divisor de águas
A raia olímpica de Montreal é cenário típico do circuito Gilles Villneuve
Costumava ser um divisor de águas. Localizado ao lado da raia olímpica de Montreal, do outro lado do Atlântico onde ficam a maioria das equipes da Fórmula 1, o Grande Prêmio do Canadá marcava a metade do campeonato e ajudava a pintar com cores mais fortes o quem é quem da temporada. Eram tempos de 15, 16 corridas por ano contra as 21 atuais… Passou tanta água por debaixo dessa ponte que até os castores que habitam a ilha de Notre Dame andam meio sumidos.
Dito isso você já deve estar convocando seus neurônios para soltar um “os tempos mudaram”…. Mudaram, é verdade, mas nem tanto. A corrida na maior cidade da província de Québec já não marca mais a metade da temporada, mas a Ferrari vive mais uma crise, a Mercedes ainda não superou o resultado antropofágico de Barcelona e a Red Bull certamente vai começar os treinos de sexta-feira afetada não só pelo fuso horário, mas, principalmente, pela lambança de Mônaco, performance inusitada, mas jamais passiva de ser incorporada ao repertório do Cirque du Soleil, a famosa companhia circense que nasceu em Montreal em 1984. Em resumo, o fim de semana promete.
Ao finalizar o primeiro terço da temporada 2016, o GP do Canadá terá um paddock onde muitas equipes vão rogar por um resultado que as afastem do inferno astral. Num país onde muitos insultos são expressados com palavras que remetem à religião católica, nem todas as preces serão isentas ou puras, a começar pela Ferrari, que em dias de glória teve até um padre que não trocava as corridas em Imola ou Monza por nenhuma missa do galo. Enquanto Sebastian Vettel parece pagar seus pecados e demora em mostrar a competitividade de outras épocas. Outrora a grande rival da Mercedes, a Scuderia ainda pode dizer que carros de Hamilton e Rosberg estão bem perto, mas só quando olha para o box ao lado, onde está instalada a equipe alemã. Pior: os touros da Red Bull só andam vendo a cor vermelha pelos retrovisores.
Os tifosi de plantão lembram que a esperança é a última que morre e a honrar o primeiro mandamento desses eternos otimistas está o grito de olé entalado na garganta de Toto Wolff desde o GP da Espanha, vencido pelo menino-prodígio Max Verstappen. A vitória de Lewis Hamilton e a apagada atuação de Nico Rosberg em Mônaco não cicatrizaram as chagas daquele incidente na Catalunha digno de uma obra de Salvador Dali ou dos traços de Pablo Picasso no apogeu de sua fase cubista.
O clima instável na Mercedes sequer permite à Ferrari parar e tomar fôlego: Daniel Ricciardo já tem equipamento para brilhar tanto quanto seu famoso sorriso e Max Verstappen terá um motor com a mesma receita de preparação que ajudou o australiano a largar na pole position em Mônaco. Se Vettel não conseguiu passar Sergio Perez em Mônaco, não será no circuito da ilha de Nossa Senhora que o carismático australiano e o endiabrado holandês vão dividir o pão com o faminto Vettel ou, muito menos, o vinho com Räikkönen… Para evitar uma nova derrota para os touros vermelhos e recuperar a segunda posição entre os construtores será preciso que os novos turbos anunciados para o final de semana resolvam de vez os problemas de superaquecimento e fragilidade que assolam as “rossa”.
Os brasileiros Felipe Massa e Felipe Nasr chegam ao Canadá em situação semelhante às três equipes já citadas. A Williams do veterano parece mais interessada em olhar para 2017 do que desenvolver o modelo atual; Massa é o único piloto que pontuou nas seis provas já realizadas este ano e tem mais pontos que seu companheiro de equipe, o finlandês Valteri Bottas. Com contrato prestes a vencer, o brasileiro já assume que negocia com outras equipes e deixa claro que as chances de mudar de CEP são boas quando diz que ”a primeira opção seria continuar aqui”…. Felipe Nasr também está se sentindo incentivado a mudar de equipe: a Sauber jamais esteve em tamanha penúria e o relacionamento com Marcus Ericsson se degrada a cada volta completada.
Brasil….
A recente rodada de competições no autódromo de Santa Cruz do Sul (RS) mostrou que a situação do automobilismo nacional não tem muito do que se orgulhar. A Stock Car perdeu mais uma equipe — Eduardo Bassani pôs seu time à venda — e a F-3 foi escalada para competir num horário onde a neblina impedia condições mínimas de visibilidade, o que levou à anulação de uma das duas corridas previstas. Pior: por causa do frio foram dadas duas voltas de aquecimento e, para evitar acidentes as luzes de largada forma instaladas no final da reta, o que causou uma largada confusa e inevitáveis acidentes. A crise econômica parece não ter sido avaliada com a atenção necessária e os responsáveis pela programação não levaram em conta a intensidade da neblina típica do clima local nesta época do ano, combinação que gera um quadro nada animador para o futuro do esporte.