F1 perde para Le Mans. Mais uma vez.
A Fórmula 1 e sua ganância não pensam duas vezes para aniquilar qualquer evento que possa fazer sombra a seus interesses. No fim de semana passado a última tentativa de praticar essa política foi como um tiro nos próprios pneus: ao marcar a primeira edição do Grande Prêmio do Azerbaijão em data conflitante com a edição 2016 da 24 Horas de Le Mans, Bernie Ecclestone jamais poderia esperar um resultado tão acachapante para os seus interesses. Ante uma das corridas mais modorrentas dos últimos tempos nas ruas de Baku, a prova de resistência mais famosa do mundo teve uma das mais disputadas edições da sua história de 100 anos, com direito a final antológico. A F1 perdeu para a Le Mans em questão de popularidade, emoção e suspense, mais uma vez…
Após 23h55 de intensa disputa com Porsche, e a Audi acompanhando de perto a batalha, a Toyota viveu o que entrou para a história do esporte a motor como um dos resultados mais injustos do automobilismo internacional: próximo de iniciar a última volta seu carro que liderava a competição parou com problemas mecânicos, o que permitiu a 18ª vitória da marca alemã em Sarthe. Ao contrário da F1, que segrega e vende caro suas imagens, o Automóvel Clube do Oeste (ACO), da França, sabe usar muito bem o potencial das redes sociais e libera imagens de primeira qualidade do seu evento mais importante, como estas que mostram os minutos finais da corrida.
Durante toda a corrida, iniciada sob chuva leve, Toyota e Porsche ocuparam as primeiras posições numa luta onde o carro de Anthony Davidson, Sébastien Buemi e Kazuki Nakajima liderou a maior parte da prova. Nos cinco minutos finais o filho do ex-piloto de F1 Satoru, mantinha um minuto de vantagem sobre o Porsche de Neel Jani, Marc Lieb e Romain Dumas e todos esperavam para uma apoteótica primeira vitória da Toyota em Le Mans. Subitamente, porém, seu carro começou a perder velocidade, consequência da perda de potência, única explicação conhecida até agora para o problema que causou o antológico final. Ainda que as câmeras de TV mostrassem o trio eventualmente vencedor celebrando o desfecho inesperado, não faltaram à Toyota palavras de apoio e alento de um deles e da própria Porsche.
A imagem do pessoal do box ao ver a vitória escapar pode ser pintada na expressão de Hugues de Chaunac, fundador do grupo Oreca e um dos principais estrategistas da operação Toyota no Mundial de Resistência. Nem mesmo um homem habituado aos números — Chaunac diplomou-se como professor de matemática — às delícias e às decepções do esporte resistiu às lágrimas. Longe dali, a mensagem do presidente da casa japonesa foi ainda mais emblemática para descrever o estado de espírito dos samurais do WEC:
“Nós não competimos ignorando o sentimento de derrota. Tendo provado a verdadeira amargura da derrota, voltaremos à arena do Campeonato Mundial de Resistência no ano que vem e voltaremos a competir na batalha que é a 24 Horas de Le Mans. Faremos por nossa busca em construir carros cada vez melhores… é por isso que voltaremos às estradas de Le Mans.
Quero expressar minha gratidão a todos os carros e pilotos que lutaram conosco na pista em Le Mans, particularmente Porsche e Audi. Voltaremos no ano que vem, renascidos e prontos para enfrentá-los com toda a nossa força. Olho nos ‘perdedores feridos’, Toyota, na pista no ano que vem. A luta não acabou.
Akio Toyoda, Presidente da Toyota Motor Corporation.”
Graças ao abandono do Toyota, o inglês Oliver Jarvis subiu ao pódio como terceiro classificado junto com Lucas Di Grassi e Löic Duval, pilotos do Audi nº 8, carro que nunca esteve diretamente envolvido pela vitória. As palavras do inglês sintetizam o sentimento da maioria dos adversários da casa japonesa:
“Nós certamente preferiríamos ver os amigos da Toyota lá em cima, não é dessa maneira que gostamos de subir ao pódio. Eu daria meu lugar para vê-los recompensados pelo grande trabalho que fizeram”.
Em quatro décadas de jornalismo já trabalhei com profissionais de culturas das mais antagônicas, como ingleses e mexicanos, argentinos e finlandeses, australianos e croatas, porém nenhum deles me impressionou mais pela resiliência e foco quanto os japoneses. Pode levar tempo para acertar um contrato de trabalho ou de fornecimento de serviços com os nipônicos, mas uma vez que o compromisso é firmado, nem mesmo um terremoto os faz mudar de ideia, caso do GP do Pacífico de 1994, em Aida.
Cabe aqui também registrar algo que me foi lembrado pelo amigo Ronaldo Nazar: há seis décadas o automobilismo brasileiro viveu situação semelhante. Na disputa das Mil Milhas Brasileiras o pequeno Malzoni-DKW de Emerson Fittipaldi e Jan Balder liderava a competição até duas voltas para a bandeirada quando um problema elétrico tornou inoperante um dos três cilindros do motor do pequeno GT. Se a vitória de Camillo Christófaro e Eduardo Celidônio marcou merecidamente a carreira de ambos, a decepção de Fittipaldi e Balder certamente não foi menor que a vivida pelos japoneses em Le Mans.
A 18ª vitória da Porsche nas 24 Horas de Le Mans ficará marcada pelo desfecho cruel da rival, fato que empanou a luta entre Ford e Ferrari, onde o fabricante americano reviveu a vitória épica de 1966, desta vez na categoria Le Mans GTE Pro. Além de Di Grassi, também participaram da prova os brasileiros Oswaldo Negri Jr (Ligier JS P2 Honda, 14º classificado na geral, e 9º na categoria LM P2), Bruno Senna (Ligier JS P2 Nissan, 15º/10º na categoria LM P2), Fernando Rees (Aston MartinVantage, 24º/6º na categoria Le Mans GTE Pro), Nélson Piquet Jr (Rebellion R-One AER, 29º/6ª LM P1) e Pipo Derani (Ligier JS P2 Nissan, 42º/16º LM P2). A classificação completa da prova você encontra clicando aqui.
Em uma corrida onde faltaram os esperados episódios típicos de um circuito de rua, estreito e com curvas de 90° ao final de grandes retas, o alemão Nico Rosberg conquistou sua quinta vitória na temporada de F1 sem maior oposição dos demais 21 pilotos que participaram do GP do Azerbaijão. Talvez influenciados por inúmeros acidentes que marcaram as provas de GP2 a ponto de causar a interrupção da prova, os pilotos da categoria principal foram cautelosos, talvez além do que se esperava. Momentos de emoção acabaram surgindo graças aos plásticos jogados na pista, cortesia dos fortes ventos do mar Cáspio, os mesmos que dão nome à capital Baku. Segundo a Wikipedia esse nome significa “cidade fustigada pelo vento” em persa arcaico. Maior destaque da corrida foi o mexicano Sérgio Pérez, que terminou em terceiro lugar. Todos os números do GP do Azerbaijão você encontra aqui.