Fórmula 1: o efeito golfinho e suas marolas
O duplo abandono da Ferrari no GP do Azerbaijão, ambos por quebras mecânicas, só não teve maior repercussão na imprensa devido à crescente tertúlia sobre o efeito golfinho, fenômeno que afeta os carros da Fórmula 1 na atual temporada. A cena de Lewis Hamilton tentando sair do cockpit do seu carro ao final da corrida foi impressionante: o inglês se contorcia de dor e fez questão de deixar isso claro. Para quem enxergou ali uma atitude um tanto exagerada – algo comum ao piloto –, basta lembrar que George Russell também caminhava mancando quando se dirigia ao terceiro degrau do pódio de Baku.
Ao explorar ao máximo o regulamento atual, o assoalho dos monopostos é projetado de forma a gerar pressão aerodinâmica em altas velocidades e o resultado mais comum até agora torna-se preocupante e provoca uma verdadeira tertúlia em torno do problema. Há pilotos que clamam pela intervenção da Federação Internacional do Automóvel (FIA) para solucionar a questão, há quem diga que cada equipe deve resolver o problema de forma individual e há quem declare tratar-se de uma opção de cada projetista.
Na medida em que a velocidade dos carros aumenta, o mesmo acontece com a pressão aerodinâmica que comprime o carro contra o solo e aumenta a aderência. Ocorre que a partir de uma certa carga o assoalho faz contato com o piso e o efeito aerodinâmico deixa de existir, fazendo o monoposto subir. Em uma pista ondulada esse efeito ganha intensidade. A corrida do Azerbaijão exacerbou o problema devido ao piso ondulado do traçado citadino que mede 6.002 metros, dos quais 2.200 formam um trecho de aceleração máxima. É o segundo mais longo do calendário e perde apenas para Spa-Francorchamps, que tem 7.004 km. Entre os que pilotos que verbalizaram as consequências do porpoising, termo em inglês que explica o movimento do efeito golfinho, está o espanhol Carlos Sainz, da Ferrari.
“Solicitamos à FIA para que analise o problema, a não privilegiar a opinião das equipes e ouvir o ponto de vista de nós, pilotos. Estamos chegando ao ponto em que lutamos para lidar com isso”.
O espanhol disse ainda que não é um caso para uma comissão médica, mas de a FIA controlar melhor a rigidez das suspensões dos carros. “Tenho a certeza de que se você perguntar a dois ou três engenheiros no paddock, eles saberão a resposta sobre como militar e controlar esse efeito,” completou Sainz.
Ex-piloto de F-1, o inglês Martin Brundle segue na categoria na condição de comentarista da TV britânica. Para o maior rival de Ayrton Senna na F3, a preocupação com o assunto é notável, mas sua análise remete a outra linha de ação. “Se há um consenso legítimo em torno da segurança que afeta todo o grid, então trata-se de um assunto que deva ser analisado. Mas se isso afeta algumas pessoas ou equipes, então é o caso de cada equipe lidar com o assunto”.
O heptacampeão mundial Lewis Hamilton já se tornou conhecido por reclamar das condições do seu carro ou dos pneus durante uma corrida e em seguida melhorar seu próprio tempo de volta. Exatamente por isso há quem interprete que as dificuldades que ele teve ao sair do cockpit do seu carro ao final da prova de Baku foram exacerbadas. De volta aos boxes ele comentou que temeu pelo que poderia acontecer.
“Houve vários momentos em que eu não sabia se conseguiria controlar o carro. Na tentativa de manter o carro na pista várias vezes eu quase perdi o controle em alta velocidade. Há dez voltas do final eu tinha que me forçar a continuar correndo. Foi o GP mais dolorido que eu já disputei”.
Um dos pilotos mais jovens do grid, o também inglês Lando Norris, comentou que o problema de Hamilton é consequência de a Mercedes ter priorizado desempenho em prejuízo do conforto, ao contrário do caminho escolhido por sua equipe, a McLaren. Ele acredita que as equipes que reclamam do efeito golfinho deveriam seguir esse exemplo.
“Sim, nós também sofremos um pouco o efeito golfinho, mas isso é uma situação que a gente tem que lidar. Eu creio que não se trata de algo para ficar reclamando, cada um tem que achar um jeito de resolver o problema por seus próprios meios”.