publicidade
12/03/2019 10:00

Fórmula 1 renova com o passado

Escrito por Wagner Gonzalez
Jornalista especializado em automobilismo de competição


Boa parte do circo da Fórmula 1 já respira ares australianos, ansiosos pela abertura do Campeonato Mundial de 2019, que acontece domingo nas ruas do Albert Park, em Melbourne, a segunda maior cidade do país. A temporada deste ano começa com uma novidade anunciada ontem: tal qual aconteceu entre 1950 e 1959, a primeira década da história da categoria, o autor da melhor volta da corrida receberá um ponto extra, desde que complete a corrida entre os 10 primeiros, aqueles que recebem pontos pela classificação na prova.

O ponto extra da melhor volta decidiu o campeonato de 1958 em favor de Mike Hawthorn e prejuízo de Stirling Moss, ambos ingleses. Moss venceu mais corridas que Hawthorn, que teve uma temporada mais regular e fez mais melhores voltas e com isso garantiu o título. Quatro anos antes, no GP da Grã-Bretanha  de 1954, em Silverstone um resultado irônico: sete pilotos (Fangio, Gonzalez, Hawthorn, Ascari, Moss, Marimon e Behra) completaram uma volta em 1’50”, circunstância que levou a FIA a outorgar 1/7 de ponto a cada um… Entre 1950 e 1959 além do piloto mais rápido da prova, os cinco primeiros marcavam pontos (8, 6, 4, 3, 2 e um). Em 1960 passaram a pontuar apenas os seis primeiros (9, 6, 4, 3, 2, e um).

Se a regra da volta mais rápida estivesse em vigor em 1986, quando valiam apenas os 11 melhores resultados das 16 etapas da temporada, o título teria ficado em mãos outras que as de Alain Prost. Nesse ano ele somou 72 pontos líquidos dos 74 brutos, Nigel Mansell 70 (72) e Nelson Piquet 69 (69). Ocorre que o francês marcou apenas duas voltas mais rápidas, contra 4 do inglês e sete do brasileiro. Ainda que descontado o ponto extra no GP dos EUA, quando abandonou a 22 voltas do fim, Piquet teria somado 75 pontos, contra 74 de Mansell e de Prost. Infelizmente, para os fãs do brasileiro, o termo “se” não se aplica neste caso.

Mudanças também na parte técnica

Em minha coluna da semana passada enfoquei as cinco melhores equipes nos treinos livres de pré-temporada, em Barcelona e destaquei escrevi que “…se a proposta (do novo carro) dá certo, eventuais falhas de um novo integrante ou fornecedor são relativizadas e melhor digeridas. Se isso não acontece, o clima de discórdia começa a aflorar já no longo voo para a Austrália.” Neste caso o se foi aplicado e o diretor técnico da equipe Williams, Paddy Lowe, não chegou nem mesmo a fazer o check-in para Melbourne: o fraco desempenho do FW42 fez a primeira vítima do ao antes mesmo da primeira corrida. O episódio imediatamente fez lembrar de Frank Dernie, outro discípulo de Patrick Head que teve fim semelhante.

Lowe reedita histórias já conhecidas na categoria. Até a década de 1980 a estrutura das equipes de F1 ainda era enxuta e contida e um engenheiro era capaz de gerenciar e administrar a operação de forma eficiente. Colin Chapman, Gordon Murray, Mauro Forghieri, Rory Byrne, Gerard Ducarouge e o próprio Patrick Head são exemplos disso e conseguiram brilhar em maior ou menor intensidade. Muito outros, como Lowe e Dernie (que trocou a Williams para dirigir a Lotus), se destacaram dentro da estrutura liderada por pares mais experientes, mas quando partiram para carreira solo não tiveram o mesmo desempenho.

O irlandês Gary Anderson poderia muito bem ser classificado como o último da tribo de Murray e Head pelo seu desempenho na Jordan; sempre fiel a seus princípios, Anderson deu mais uma mostra da sua postura correta e generosa ao comentar o desfecho da relação entre Paddy Lowe e a equipe Williams.

Depois de anos de sucesso na Mercedes, Lowe retornou ao time onde ganhou notoriedade na F1 como diretor técnico e acionista. Sua missão era bem maior do que a simples confirmação da história do bom filho que à casa retorna: ele teria que reorganizar uma equipe cujos melhores anos foi liderada por alguém com um caráter bem diferente do seu.

A atitude de Patrick Head nos boxes do mundo sempre lembrou um cão bravio; por seu lado, Lowe tem a imagem de um ser cordato, até mesmo passivo. Frank Williams, o fundador da equipe está cada vez mais ausente pela idade avançada e saúde debilitada; centralizador, anos atrás ele perdeu os serviços de Adrian Newey durante uma renovação de contrato quando o engenheiro queria uma participação acionária na equipe e Frank não aceitou.

Ceder à tal demanda acabou custando caro em termos de tempo, dinheiro e escolha: Newey, consolidado na Red Bull, está em um patamar único na F1; quanto a Lowe ainda não se sabe se sua decisão de se afastar da Williams por questões pessoais é legítima ou ele está servindo de bode expiatório, como sugeriu Gary Anderson em artigo publicado na revista Autosport inglesa.

Há discípulos que conseguiram se destacar mais que Lowe ou Dernie, casos de Andy Green, diretor técnico da Racing Point (ex-Force India) e Aldo Costa, diretor técnico da Mercedes até o final da temporada passada. Green trabalhou com Anderson na Jordan e após trabalhar em vários projetos, assumiu a posição atual em 2011. Seu maior trunfo é conceber carros extremamente funcionais com orçamentos irrisórios se comparados ao das equipes rivais.

Costa substituiu Giacomo Calliri na Minardi, onde se destacou a ponto de ser chamado para ser o braço direito de Rory Byrne na Ferrari, onde assumiu a direção técnica em 2007. No final de 2018 o italiano optou por desfrutar a vida de outra forma e trocou o regime de dedicação integral por um acordo de consultoria com a Mercedes, uma forma de evitar que seu conhecimento chegue à concorrência.

Leia mais colunas do autor