Lá como cá
O trio da Liberty Media que manda na F-1: Sean Bratches (E), Chase Carey e Ross Brawn
O noticiário automobilístico brasileiro atual convive com o fantasma de perder fábricas ou mesmo ver uma ou outra marca deixar o país. A Fórmula 1 em 2019 também tem suas Fords e GMs e, lá como cá, a McLaren ameaça deixara categoria às vésperas de uma reunião onde cartolas e dirigentes das equipes vão discutir sobre... dinheiro. Não é a primeira vez que o assunto vem à baila em quase 1.000 GPs já disputados desde 1950; da mesma forma, longe de qualquer pessoa acreditar que desta vez todos entrarão em acordo e as disparidades técnicas e, principalmente, financeira serão magicamente transformadas em “assunto do passado”. Afinal, os frios números indicam o contrário, mas ainda não congelaram o otimismo de gente importante.
Empresa que vende entretenimento, a Liberty Media quer uma F1 mais equilibrada e com mais disputas, ferramentas que podem aumentar os lucros de todos os envolvidos. Ocorre que para chegar a esse objetivo é preciso o que nós, brasileiros, já ouvimos em expressões variadas e descobrimos na pele que nenhuma delas é tão eficiente quanto o nome sugere. A “reengenharia de custos” que é discutida hoje baseia-se na “redistribuição de renda” e na “equalização técnica” entre as 10 equipes que disputam o campeonato mundial.
Muito além do equivalente a pouco mais de 60% que, acredita-se, as equipes recebem do faturamento total, o que preocupa a Liberty Media, e por tabela a FIA, é o fato que a nova proprietária dos direitos comerciais da F1 ainda não conseguiu melhorar substancialmente o faturamento e enfrenta problemas em várias frentes. Patrocinadores globais discutindo a renovação de acordos, organizadores de corridas tradicionais repensando contratos e ausência de novas praças ameaçam o crescimento e até mesmo a manutenção do calendário atual (que em 2018 perdeu o GP da Malásia).
Segundo a revista SportsMoney, o lucro de US$ 47 milhões de 2016 azedou para o prejuízo de US$ 37 milhões no exercício de 2017. No balanço publicado em fevereiro de 2018, o faturamento de 2018 foi de US$ 1,827 bilhão, contra US$ 1,783 bilhão no ano anterior. O resultado financeiro, porém, indica um prejuízo de US$ 110 milhões em 2018 contra US$ 40 milhões no período anterior.
A publicação informa ainda que acordos de patrocínio com a Heineken, Rolex e outras três fontes de renda similares terminam este ano. Quase ao mesmo tempo, o Acordo de Concórdia (documento que rege os direitos e deveres entre as equipes, Liberty e FIA) caduca no ano que vem e a ideia de expandir, ou mesmo manter o calendário atual de 21 etapas, está ameaçada.
Autoridades ligadas aos dos GPS da Espanha, Grã-Bretanha, Itália e México não se mostram apaixonadas pela ideia de continuar subsidiando custos que equilibram o orçamento dos respectivos promotores. O GP de Miami já foi anunciado e postergado algumas vezes e as chances de incluir Nova York, Las Vegas, Los Angeles, Copenhagen, Zandvoort e uma segunda prova na China na temporada patinam ou estão estacionadas. De novidade mesmo só o GP do Vietnam, que vai acontecer em 2021 em um circuito urbano de Hanói, cujas ruas estão sendo reformadas, até mesmo construídas, especialmente para o evento.
No tocante às equipes há alguns anos fala-se no estabelecimento de um teto de gastos para controlar o orçamento anual para a construção e desenvolvimento dos carros, algo difícil de ser criado e ainda mais difícil de ser controlado. Alguém pode acreditar que a Ferrari aceitará receber prêmios e bônus menores, que fazem a Scuderia ter a maior receita do circo, simplesmente porque é a equipe mais antiga da F1? Ou que ao conter o orçamento das escuderias a estrutura societária que impera em qualquer empresa de atividade multinacional não teria como envolver terceiros para desenvolver pesquisas que jamais aparecerão nos seus balanços?
A reunião envolve representantes das equipes, da Liberty e da FIA e poucos arriscam algum prognóstico seguro sobre seu resultado, a começar por Ross Brawn. À página de esportes do site da BBC ele declarou tratar-se de uma tarefa quase impossível encontrar uma solução imediata para limitar os gastos das equipes: “Por um lado, nós sabemos que uma melhor distribuição de lucros nos trará uma F1 melhor, e isso é um fato. Por outro, seria muita inocência acreditar que um dia teremos uma solução definitiva para o controle de gastos e ponto final”.
Brawn aponta para o fato de que cada equipe tem prioridades exclusivas, o que impõe dificuldades para conseguir uma solução equilibrada. Não falta quem reitere a dificuldade de controlar gastos e como esses limites seriam fiscalizados; igualmente não são poucos os que duvidam da capacidade da FIA em controlar os gastos da Ferrari, cuja estrutura societária não a obriga a divulgar seu balanço.
Nome que não perde oportunidade para expor seus pontos de vista, o norte-americano Zak Brown, dirigente maior da McLaren, por vezes deixa-se levar pelo entusiasmo e emite opiniões, digamos, “desconstruídas”, para usar um termo que já foi moda na gastronomia de alguns chefs famosos. Ele cita que “o DNA da F1 remete a construir” e que, portanto, o regulamento deveria definir quais partes cada equipe deve fabricar e quais deveriam ser padronizadas “se é que que queremos ajudar equipes que não têm condições de fabricar tudo”.
Isso foi uma alfinetada direta na rival Haas, que explorou o regulamento para fabricar seu carro com o máximo de peças que poderia comprar da Ferrari, ideia que este ano foi adotada pela Toro Rosso em relação à Red Bull.
A F1 já viveu um longo período, entre 1968 e o início dos aos 1990, onde o uso do motor Ford Cosworth, câmbio Hewland e freios Girling era equipamento padrão para a maioria absoluta dos carros. Houve época em que os motores Ferrari V12 eram os únicos que enfrentaram o V8 criado por Mike Costin e Keith Duckworth. Não foi necessário nenhum regulamento para impor essa solução econômica.
Brown foi um dos primeiros a ameaçar deixar a F1 e concentrar o foco da McLaren em outros campeonatos. “Se não tivermos um futuro financeiramente viável, onde possamos competir com chances, vamos considerar seriamente nossa posição na categoria”, declarou o norte-americano. Mais sensato, Ross Brawn – nenhum parentesco entre ambos -, tem uma visão mais pragmática:
“Todos nós sabemos que a Ferrari é o maior nome (da categoria) e deve ser recompensada por isso, mas não no nível que acontece hoje. Estamos negociando e sou otimista no que se refere a encontrar uma saída para tornar a F1 melhor e mais competitiva, mas vamos ver muitos fogos de artifício nesse processo”.
Mais ou menos que aconteceu no Brasil: depois de ameaçar fechar suas fábricas no país, a GM anunciou um plano de investimento de nada menos de R$ 10 bilhões em suas fábricas paulistas. Para quem dizia que a situação era crítica, até que não foi tão difícil encontrar tanto dinheiro e deixar tudo como estava...
ANUÁRIOS – Já estão à venda as edições 2019 de duas publicações para quem gosta de ter à mão dados das principais categorias do automobilismo e do kartismo: os anuários AutoMotor Esporte e Kart Motor, editados respectivamente por Reginaldo Leme e Erno Drehmer. O segundo foca no kartismo, modalidade que revela regularmente os futuros campeões do automobilismo, esporte focado na primeira obra. Ambos são produções esmeradas tanto nos conteúdos de textos e imagens quanto na apresentação gráfica.