Manda quem pode, e tem know-how
O domínio exercido pela Mercedes na Fórmula 1 desde 2014 certamente não ajuda a convencer o grande público do alto nível tecnológico praticado pelas outras nove equipes que disputam o Campeonato Mundial da categoria. O fabricante alemão está invicto no que diz respeito a títulos de pilotos e construtores desde 2014 e, sob a liderança Toto Wolff, aumenta seus domínios também na área política e infiltra seu poder em equipes cada vez mais dependentes dos tedescos. Um cenário onde a Ferrari reinou absoluta por longos anos. Em outras palavras, vivemos uma era onde a administração das equipes se torna tão importante quanto a habilidade dos seus principais pilotos e os exemplos para comprovar isso falam vários idiomas.
Torger Christian Wolff já acelerou no asfalto de Interlagos e pode contar para seus amigos que venceu a clássica prova brasileira na categoria Super Turismo: isso aconteceu na edição de 2005 quando ele tripulou um BMW M3 em companhia de Stefano Zonca e Karl Wendingler. Ironicamente o carro era patrocinado pela Red Bull, atualmente a equipe que mais projeta rugas na face desse austríaco de Viena, onde nasceu aos 12 de janeiro de 1972, filho de mãe polonesa e pai austríaco.
Visionário, seu currículo exibe uma lista robusta de empreendimentos bem-sucedidos e inclui 30% da equipe Mercedes de F1, o que gera uma situação curiosa: a renovação do seu contrato de trabalho atual, que termina este ano. Seus tentáculos na F1 não param por aí: ele já foi o segundo maior acionista da Williams, onde ainda tem uma participação simbólica, tem 0,99% da Aston Martin, explora o gerenciamento de pilotos em uma sociedade com Mika Häkkinen e não titubeou em usar seu poder para dissuadir Williams e McLaren a retirar seu apoio ao processo instigado pela Renault contra a Racing Point. Não é mera coincidência o fato que Williams, Racing Point e McLaren (a partir do ano que vem) são ou serão usuários dos motores alemães...
O carisma e a eficiência com que Wolff mantém a Mercedes como referência de sucesso na F1 dos anos 2010 só tem paralelo na figura de Christian Edward Johnston Horner, inglês que liderou o domínio da Red Bull entre 2010 e 2013. Sua relação com máquinas, motores e administração descende de seu avô, que foi gerente de compras em uma fábrica de motores atualmente incorporada ao grupo Massey-Fergunson. Algumas temporadas como piloto o levaram a fundar a equipe Arden e disputar a F-3000 em 1997 tendo Roly Vincini, ex-mecânico de Nelson Piquet, como seu engenheiro. A compra de um motorhome da equipe Red Bull o aproximou de Helmut Marko e a partir de então a vida de ambos passou a ter muito em comum, entre elas a incorporação de Horner ao reino do touro vermelho: quando a fábrica de energéticos comprou a Jaguar, em janeiro de 2005 o inglês foi nomeado chefe de equipe.
Eddie Jordan, outro nome que se deu muito melhor administrando a equipe do que pilotando o carro, é um irlandês que construiu fama e fortuna a partir de uma equipe de F3 por onde passou, entre outros, o brasileiro Maurizio Sala. Com a ajuda de Gary Anderson e do então novato Andy Green, Jordan chegou à F1, empreendimento que não acabou nas mãos de Horner porque um queria pagar menos que o outro queria receber. Jordan encontrou outro comprador e, após muitas trocas (Midland, Spyker e Force India), desde 2018 a organização baseada em frente ao portão principal de Silverstone desde 2018 é administrada por Laurence Stroll, mega-empresário canadense de ascendência judaica que também controla a Aston Martin. Batizado Lawrence Sheldon Strolovitch, ele fez sua fortuna investindo no ramo das confecções de marcas premium, como Pierre Cardin e Tommy Hilfiger.
Em um cenário onde as principais forças são controladas por personalidades que se assemelham por terem construído carreiras bem-sucedidas investindo e empreendendo, cabe voltar os olhos para a Ferrari. Referência histórica na F1 sob inúmeros aspectos, a tradicional Scuderia também é exemplo de administração conturbada e tem um histórico de paixões tão extenso quanto o de relações terminadas em tragédias dignas de Dante. Horner e Wolff já se casaram duas vezes, mas a semelhança para por aí: no quesito amores não correspondidos a Ferrari é muito mais profícua.
O austríaco, o inglês e o canadense são animais com forte DNA de líderes de matilha, Binotto é suíço e profissional vindo da área técnica, onde a matemática é prioridade para obter resultados e relega o fator humano a um segundo plano ou, no máximo, no vácuo do resultado de uma equação. Deixar extrapolar o clima de animosidade que caracteriza o atual cotidiano com um piloto quatro vezes campeão mundial reforça que o problema da Ferrari é saber colocar pessoas certas nos postos de trabalho nos quais suas habilidades são realçadas. Isso ajuda entender porque se fala tanto que uma nova onda de divórcios no triangulo amoroso formado por escuderia, chefe de equipe e campeões mundiais está se formando.
Campeões mundiais como John Surtees e Alain Prost tiveram seus problemas com Eugenio Dragoni e Cesare Fiorio, respectivamente. No relacionamento Prost-Fiorio não deixa de ser curioso que os dois voltariam a trabalhar juntos em 1997 quando o francês operou sua própria equipe de F1. No final da década de 20 do século XXI, aproxima-se a releitura desses episódios, agora com Sebastian Vettel e Mattia Binotto formando o par de protagonistas nada românticos.