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22/09/2016 18:00

Mudança mundial e esperança local

Escrito por Wagner Gonzalez
Jornalista especializado em automobilismo de competição

Foto: Red Bull Content Pool

O último fim de semana ilustra muito bem o momento que vivemos. Num clima de mudança mundial e esperança local, os auto-entusiastas de plantão puderam acompanhar os primeiros sinais do que vem por aí no ambiente da Fórmula 1, onde Chase Carey começa a mostrar suas garras e sonhar que a famosa rivalidade entre gaúchos e paulistas pode brotar sementes que façam renascer o automobilismo brasileiro.

A primeira parte desta abertura foi em Cingapura, onde Nico Rosberg venceu o GP local e reassumiu a liderança do Campeonato Mundial de Pilotos. A parte final reuniu um público que em tudo lembrou a máxima de Brooklands, histórico circuito oval próximo a Londres: “No crowd but the right crowd”, numa tradução livre algo como “nada de multidão, mas o pessoal do meio lotou a casa”. No Brasil, disputada no autódromo Velo Città, em Mogi Guaçu (SP), a edição 2016 da 500 Quilômetros de São Paulo foi dominada pelas equipes gaúchas, em particular pela equipe formada pelo trio Emilio Padron, Fernando Fortes e Henrique Assunção, que, além e vencer, largaram na pole position e fizeram a volta mais rápida da prova.

Famosa pelo clima quente e úmido, a cidade-estado de Cingapura viu um GP com final dos mais interessantes, em que pese o domínio demonstrado por Nico Rosberg durante o fim de semana. Poucas vezes o alemão, que algumas corridas atrás era mais uma vez dado como derrotado pelo seu companheiro de equipe Lewis Hamilton, venceu pela terceira prova consecutiva — e oitava vez no ano —, e reassumiu a liderança que ocupou durante a maior parte da temporada. Conquista que teve elementos de suspense devido ao alto desgaste dos freios — o traçado urbano do extremo oriente é apontado como o que possui o maior número de curvas, a maioria delas em ângulo de 90º —, ao arrefecimento do motor e à exaustão dos pilotos, estes últimos detalhes consequência do clima local.

A corrida começou com emoção: Max Verstappen largou mal e, ao desviar do holandês, o espanhol Carlos Sainz acabou tocando no alemão Nico Hulkenberg, que rodou e foi de encontro ao muro do box.

Com a intervenção do safety car para limpar os detritos espalhados pela reta de largada, todo o grid foi desviado para o pit lane (frente dos boxes), enquanto agentes da competição se encarregavam de remover os pedaços do Force India do piloto alemão.

Aparentemente o melhor motor Renault para esta prova foi direcionado para o carro de Max Verstappen, porém foi Daniel Ricciardo quem materializou o maior obstáculo ao domínio dos Mercedes de Rosberg e Hamilton, que terminou em terceiro.

O australiano optou por usar pneus supermacios no terceiro trecho de sua corrida e conseguiu criar alguma emoção na base de suaves prestações: chegou a tirar mais de um segundo por volta da diferença que o separava do líder, mas foi obrigado a aliviar seu ritmo para conservar os borrachudos e tentar um novo ataque nas voltas finais. Resumo da ópera: cruzou a linha de chegada 488/1000 de segundo atrás do vencedor, que comemorou com sua 22ª vitória a 200ª largada em sua carreira iniciada no GP do Bahrein de 2006.

O fim de semana no paddock de Cingapura, no entanto, teve como personagem principal alguém que não é visto nos pódios ou sequer aparece no grid de largada. Na verdade, sua relação mais prática com o esporte foi ter defendido o time de rúgbi das universidades Colgate, onde graduou-se em Economia, e Harvard, onde fez pós-graduação. Este esportista amador é o americano Chase Carey, que desponta como novo homem forte da F1.

Em apenas um fim de semana já é possível delinear seu estilo de trabalho: após percorrer todos os boxes ao lado de Bernie Ecclestone, a quem não perde oportunidade de louvar pelo trabalho que o inglês desenvolveu até agora, Carey repetiu o percurso sozinho e conversou separadamente com cada chefe de equipe. Cauteloso, evita anunciar o que vai acontecer, no máximo sabe-se que ofereceu a cada uma a opção de comprar ações da nova administradora da categoria e que indica Los Angeles, Miami e Nova York como possíveis locais para um novo GP.

Tão grande quanto esse impacto é o movimento no balcão de apostas sobre a possível aposentadoria de Bernie Ecclestone. O fato de Herbie Blash (junto com Charlie Whitting, um dos seus mais fiéis e longevos colaboradores) ter anunciado sua aposentadoria ao final desta temporada indica que o circo armado por Ecclestone já está sendo desarmado. Fala-se de um período de três anos para que o criador do império F1 siga atuando ao lado de Carey. Poucos apostam que vai durar tanto.

500 Quilômetros revivem espírito dos anos 1960/70 – Tradição iniciada no final da década de 1950, a rivalidade automobilística entre gaúchos e paulistas consolidou-se nas décadas seguintes e gerou importantes conquistas para o esporte brasileiro: fomentou a popularização dos carreteras e as corridas longas no País, fez surgir pilotos e competições em Santa Catarina e no Paraná e incentivou a criação de vários autódromos. Mais recentemente essa sadia rivalidade adormeceu por razões variadas, mas tudo indica que as diferenças foram superadas: a presença maciça de equipes do Rio Grande do Sul e de uma solitária escuderia de Santa Catarina — estandarte levantado pelo empresário Alexandre Finardi —, criou um clima de congraçamento e reunião na competição disputada no autódromo Velo Città e vencida pelo trio Henrique Assunção/ Fernando Fortes/ Emílio Padron.

Os modelos MRX, Moro, Tubarão (desenvolvido a partir do MRX de Luiz Fernando Cruz), o Tornado de Cali Crestani, modelos como Espron, Aldee e outros deram cor e diversidade a um automobilismo atualmente marcado por categorias monomarca em um grid que teve modelos como o Cobalt Força Livre de Ney Faustini pai e filho, o Mitsubishi de Guiga Spinelli/ Leandro de Almeida/ Duda Pamplona e até mesmo um Mercedes Benz E-320 tripulado por José Curado/ Eric Darwich/ Eduardo Rimoli.

Tão interessante quanto essa variedade foi notar a presença de sobrenomes históricos desempenhando funções que agora espelham dinastias como as iniciadas por Ronaldo Ely e Victor Steyer. Ian Ely largou para sua quinta corrida e mostrou que tem habilidade para replicar as boas atuações do pai Ronaldo. Entusiasmado com o potencial do filho, Ely está investindo na equipe Satti Racing, onde desponta outro jovem valor, Daniel Claudino, que liderou com calma e autoridade a fase inicial da corrida.

Na área dos boxes, outra dinastia se destacava cuidando daquele que era, possivelmente, o maior carro do grid: o Mercedes-Benz E 320. Rodrigo Telles segue os passos do pai, Caíto Queiroz Telles, nome que ficou famoso por preparar os Opalas de Pedro Victor Delamare e da equipe Itacolomy, duas referências na história do automobilismo brasileiro. Outra dupla de pai e filho era a formada pelos paranaenses Jair e Duda Bana. Em boxes adjacentes a figura de veteranos como o preparador Antônio Ferreirinha e o piloto Djalma Fogaça reforçava o clima de reunião de apaixonados.

O desempenho dos vencedores Assunção, Fortes e Padron, além de consistente em todo o fim de semana, também mostrou que o bom trabalho liderado do clã Andrade tem adversários a altura do desempenho dos carros da equipe do piloto e preparador Tiel, idealizador dos protótipos Tubarão desenvolvidos a partir do MRX projetado por Luiz Fernando Cruz. Enfim, a corrida promovida por Silvio Zambello — filho do saudoso Emilio e atual líder do departamento esportivo do Automóvel Clube Paulista —, mostrou que as bases para resgatar a família do automobilismo brasileiro estão vivas e saudáveis. Sem dúvida pode-se melhorar o espetáculo, mas em épocas como a que vivemos, é muito mais produtivo investir no que se tem e fazer as correções necessárias ao longo da caminhada.

Não bastasse tudo isso o programa teve ainda largadas para as categorias Classic Cup, F-1600 e Lancer Cup, categoria local, e mais uma edição do Encontro dos Campeões, que reúne pilotos do passado. A reforçar o clima o clima de camaradagem e confraternização, a postura elegante de Eduardo Souza Ramos, idealizador e proprietário do Velo Città. Esse autódromo particular é reservado a eventos da marca Mitsubishi e eventos particulares. Abrir suas portas para uma prova como a 500 Quilômetros de São Paulo é uma forma de colaborar para o renascimento de um automobilismo onde preparadores e construtores podem expressar sua capacidade de criar e desenvolver novas soluções práticas em um mundo cada vez mais estigmatizado pelo vírus da monomarca.

Audi falha, Porsche vence e Toyota completa o pódio – Os atuais campeões mundiais de Resistência — o trio formado por Timo Bernhard, Mark Webber e Brendon Hartley e seu Porsche 919 Hybrid — venceram a 6 Horas do Circuit das Américas (COTA), competição disputada na pista de Austin, no Texas, sob forte calor. O Alpine Sigmatech A460 de Nicolas Lapierre, Gustavo Menezes and Stephane Richelmi venceu na categoria LM P2.

Os dois Audi mostraram condição de vencer, mas tiveram problemas: o carro de Lucas Di Grassi, Oliver Jarvis e Löic Duval teve problemas elétricos, mas ainda assim terminou em segundo, e o de Andre Lotterer, Benoit Treluyér e Marcel Fässler envolveu-se em um acidente com um retardatário.

O Toyota TS 050 HYBRID de Mike Conway, Stéphane Sarrazin e Kamui Kobayashi ficou em terceiro. Outros brasileiros participaram da prova: Bruno Senna — que pilotou um Ligier JS Nissan P2 com Ricardo Gonzalez e Filipe Albuquerque, ficou em nono lugar; Pipo Derani, com carro semelhante e também tripulado por Ryan Dalziel e Chris Cumming, em 13º; Fernando Rees, com Aston Martin Vantage da classe LM GTE PRO, terminou em 20º e teve como parceiro Darren Turner.

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