Nada de preto no branco
Poucas vezes a bandeira quadriculada de um GP esteve tão ligada a um tabuleiro de xadrez como na prova disputada domingo último no Canadá. Enquanto Lewis Hamilton voava livre de turbulências rumo à sua sexta vitória na Île de Notre-Dame, terceira consecutiva, a Ferrari tentou escapar da ventania característica dessa ilha artificial próxima situada em um subúrbio de Montreal e a McLaren fazia crescer a fogueira que incendeia a sua relação com a Honda. O que sobrou de turbulência acabou por trincar a relação entre os dois pilotos da Force India, o experiente Sérgio Pérez e o cada vez menos novato Estebán Ocón.
A Mercedes conseguiu matar a saudade dos bons tempos e voltou a registrar uma dobradinha típica, com Lewis Hamilton em primeiro e Valtteri Bottas em segundo. Tal resultado manteve a Mercedes liderando a tabela de construtores (222 contra 214 da Ferrari) e ajudou Hamilton a diminuir de 25 para 12 pontos a diferença que o separa de Sebastian Vettel, líder no Mundial de Pilotos com 149. Além de melhoramentos no motor, Totto Wolff fez um mea culpa e admitiu que o desempenho mais competitivo somente aconteceu porque sua equipe conseguiu entender a maneira como os pneus de 2017 funcionam:
"No ano passado a disputa intensa entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg pelo título forçou-nos a usar Pascal Wehrlein para avaliar os pneus que eram desenvolvidos para esta temporada a Ferrari usou Sebastian Vettel. Erramos e eles se deram bem..."
Pobre Wehrlein... Essa não foi a declaração mais intensa de Wolff na terra do maple syrup, um xarope de açúcar extraído da árvore de bordo. No domingo ele soltou outra ainda mais amarga ao comentar que não ficaria surpreso se Nico Rosberg reaparecesse na F-1 em 2018 "na Ferrari ou em outra equipe", uma destilação de veneno contra a estabilidade da Scuderia.
Coincidência ou não, outros fatos contribuíram para conturbar esse ambiente: Kimi Räikkönen errou a freada da curva do Muro dos Campeões exatamente quando Sebastian Vettel o perseguia bem de perto e os jornalistas italianos encerraram suas matérias do dia alegando que o finlandês já renovou contrato para 2018. Tudo muito estranho: ao deixar Vettel supera-lo, Räikkönen carimbou a condição de segundo piloto e a Scuderia adoçou a boca do alemão no que se refere à renovação de seu contrato...
No extremo oposto do pit lane, o teor de açúcar era um assunto de menor importância: o abandono de Fernando Alonso a duas voltas do final foi uma mescla do tipo ducha de água fria e areia na empada. Pessoalmente enxergo a explicação da equipe (quebra repentina do motor) com reservas: a McLaren quer romper o contrato com a Honda alegando incompetência do fabricante japonês e nessa briga as armas são declarações fortes e fatos discutíveis. Yusuke Hasegawa, engenheiro-chefe da fábrica japonesa para a F-1, declarou que só saberá a real causa da pane após um minucioso exame do motor na fábrica de Sakura, no Japão. O desgaste de imagem, porém, já foi feito e as atitudes da McLaren e de Fernando Alonso só contribuem para apressar o divórcio de ambos com a Honda.
Situada a meio caminho entre os boxes da Mercedes e da McLaren, a garagem da equipe Force India vivia um clima meio aliche-meio mozzarella no final da corrida. Sérgio Pérez e Estebán Ocón andaram forte a corrida inteira e só não terminaram melhor que quinto e sexto, respectivamente, porque o mexicano bateu o pé e não tirou seu sombrero para o rendimento superior de seu, agora, inimigo de equipe. O chefe de equipe Robert Fernley admitiu que Ocón era mais rápido e que seria possível superar Daniel Ricciardo, que terminou em terceiro. Como que a botar panos quentes na briga entre seus pilotos, ele alegou que a equipe preferiu deixar que os dois disputassem posição. Por mais esportivo que isso possa parecer, a verdade é que o francês mostra-se cada vez mais competitivo que o mexicano e a disputa entre ambos vai ficar cada vez mais intensa.
Já a intensidade de críticas ao canadense Lance Stroll deve diminuir após o nono lugar conseguido em casa, seus primeiros pontos na F-1. Seu processo de aprendizado e amadurecimento ainda está longe de acabar, o que ajuda a explicar porque a Williams agora não disputa sequer o quarto lugar entre os construtores – posição consolidada pela Force India – mas já está em sexto, atrás da Scuderia Toro Rosso. Felipe Massa, que alinhou em sexto, foi afastado da prova após ser atingido pelo espanhol Carlos Sainz logo na primeira volta.