Obviedades e desafios do tempo
Mais do que o status de quem é quem entre pilotos e equipes, o Grande Prêmio da Alemanha, disputado no último fim de semana, deu uma ideia bem clara sobre o panorama atual da Fórmula 1 em relação a regulamentos futuros e o interesse do público. Esse drama teve três atos, bem claros e facilmente perceptíveis e que formaram a trilogia do povo, proteção e comunicação, algo como obviedades e desafios ao tempo. Arquibancadas interditadas para receber painéis publicitários não ajudaram a preencher as tribunas que permaneceram disponíveis aos torcedores, contradições brotaram entre pilotos e chefes de equipe sobre a opção de adotar o protetor “halo” em 2017 e uma nova reviravolta nas regras aconteceu, desta vez para liberar a comunicação entre pilotos e equipe.
Dentro da pista, Lewis Hamilton mais uma vez aniquilou a concorrência e venceu sem dar chance para ninguém. Desta vez em uma corrida que poderia marcar a ressurreição do outro piloto da equipe Mercedes, Nico Rosberg. Pole position, o alemão voltou para a casa com um quarto lugar e a decepção de ter sido batida pelos pilotos da equipe Red Bull, Daniel Ricciardo (segundo) e Max Verstappen (terceiro). Ruim para Rosberg, pior para os brasileiros Felipe Massa e Felipe Nasr (que não completaram a prova) e para a Ferrari e Williams, equipes que desafiam o tempo ao caminhar para trás na concorrência com seus rivais diretos.
Se o entusiasmo do torcedor alemão for levado em conta, é possível concluir que o interesse da galera local não anda lá no mesmo ritmo que o Mercedes de Lewis Hamilton ou mesmo o de Nico Rosberg. O ritmo de Pascal Wehrlein e seu Manor-Mercedes parece o mais indicado para definir o apelo que a F1 provoca nas bandas da Bundesrepublik Deutschland. Preço dos ingressos e ausência das disputas de anos atrás são razões endossadas por quase todos.
Enquanto isso, os responsáveis pelos regulamentos da categoria convencem cada vez mais que fazem uma pós-graduação em alquimia, tamanho o número de erros e tão raros os acertos em suas últimas decisões. A instalação de sensores nas zebras, para evitar que os pilotos atirem seus carros sobre as demarcações da pista, o lenga-lenga sobre a comunicação via rádio e detalhes importantes sobre a estrutura dos carros para 2017 são exemplos disso.
Se muitos de nós aprendemos a gostar do automobilismo ao apreciar a habilidade de pilotos que batiam recordes e faziam ultrapassagens nos espaços recobertos unicamente com asfalto, pouco a pouco foram adotadas exigências que acabaram com as áreas de escape em nome da segurança e que fizeram a alegria das empreiteiras contratadas para pavimentar o que já foi barranco, grama, areia, caixa de brita e coisas do gênero. Os políticos de cidades onde os autódromos são estatais, caso de Interlagos, agradecem, desnecessário descrever as obviedades. Os autoentusiastas, no entanto...
Tertúlia que há tempos sofre interferências e exploração digna de chamar a atenção da Comissão de Direitos Humanos da ONU, a comunicação via rádio recebeu sua frequência de alforria, pelo menos até que outras chibatadas sejam perpetradas. Soaram como sinos desafinados as tentativas dos cardeais da FOM (Formula One Management) e da FIA (Federação Internacional do Automóvel) em catequizar pilotos e equipes a fazer bom uso desse recurso. Num circo onde o deus maior é representado pela luxúria, estava claro que todos cobiçariam o recado do outro em nome da ganância de ganhar uma posição.
Presidente da Associação dos Pilotos de Grande Prêmio, a conhecida GPDA, o austríaco Alexander Würz não gostou nada de saber que a decisão de postergar para 2018 a adoção do “halo” (uma proteção do habitáculo que lembra as tiras de uma sandália Havaiana em torno do capacete do piloto). Würz bradou que todos os pilotos assinaram um documento para adotar o acessório, mas antes mesmo que suas palavras ecoassem paddock afora, alguns dos seus liderados e um e outro chefe de equipe desmentiram essa unanimidade. Do jeito que os regulamentos da categoria andam evoluindo, não será surpresa se até a abertura da próxima temporada essa decisão tenha crises de ioiô.
Novidade por novidade, a Ferrari testou ontem pneus de chuva nas medidas que serão usadas em 2017. Sebastian Vettel teve o privilégio de avaliar esse componente na pista de Fiorano, onde andou com um chassi adaptado com as asas mais largas já aprovadas para os carros do ano que vem. Hoje (terça) o alemão cede lugar para o mexicano Estebán Gutiérrez e amanhã e quinta a Red Bull se junta à Scuderia para mais testes em Mugello, circuito administrado pela Ferrari. As novas medidas são 305/670-13 no eixo dianteiro (atualmente é 245/660-13) e 405/670-13 no eixo traseiro (atualmente é 325/660-13). Até o final do ano outros 20 dias de testes serão realizados por diferentes equipes.
Falando em pneus, Vettel tentou passar uma borracha na divergência que rolou entre ele e Maurizio Arrivabene durante o GP da Alemanha, quando o piloto deixou claro que não obedeceria ao chamado para trocar esse equipamento. Trocas, aliás, tem criado grande tumulto na Scuderia: a saída de James Alisson do cargo de diretor técnico significou uma promoção para o engenheiro de motores Mattia Binotto. A ideia de convencer Ross Brawn a deixar de pescar (seu hobby, junto com degustar vinhos), ainda respira, mas num futuro mais para roxo do que para o vermelho característico da equipe.
A crise na Ferrari encontra similar na Williams. Se os italianos já foram superados pela Red Bull, os ingleses estão perto de experimentar uma ultrapassagem da Sahara Force India. Nas últimas quatro corridas a Red Bull somou 157 pontos, a Ferrari 108, a Williams e 6 e a Force India, 22. Fica fácil notar quem está em viés de alta ou de baixa... Quer saber todos os números da temporada e o resultado completo do GP da Alemanha? Simples, clique aqui.
CARA NOVA NA FÓRMULA E – Fortemente inspirado no monoposto fabricado para estudar uma versão de carro autônomo de competição, a versão 2016/2017 do F-E ganhou um bico dianteiro que pode ser considerado, no mínimo, diferente. Baseado no conceito de asa biplana, a nova solução será testada oficialmente nos primeiros testes coletivos da categoria, marcados para os dias 24 e 25 de agosto. A temporada começa dia 9 de outubro, em Hong Kong, e marca a estreia de duas novas equipes: a Jaguar, que será operada pela Williams Grand Prix Engineering, e a Techeetah, bancada por uma das maiores empresas de marketing esportivo da China.
JOSÉ ASMUZ E EDUARDO CARDOSO – O automobilismo nacional perdeu nos últimos dias dois nomes de peso: o gaúcho José Asmuz e Eduardo Cardoso, mineiro radicado em Goiás. Asmuz era um dos últimos representantes da época áurea dos carreteras e nos últimos anos atuou como dirigente do seu clube favorito, o Internacional. Ele sucumbiu a uma parada cardíaca. Cardoso, um dos mais generosos e simpáticos pilotos da safra surgida com a inauguração do autódromo de Goiânia, teve um infarto fulminante quando praticava trilha com sua motocicleta, outra de suas paixões junto com a música. Aos seus familiares e amigos, a coluna expressa as maiores condolências.