Onde astros nascem e se apagam
Impossível ficar indiferente a dois fatos que marcaram o fim de semana de Spa-Francorchamps: a primeira vitória de Charles Leclerc na Fórmula 1 e a morte de Anthoine Hubert na prova preliminar de Fórmula 2 de sábado. Entre o primeiro monegasco a triunfar na categoria e o vencedor de duas provas na atual temporada de F2, na décima terceira etapa da temporada foi escrito um capítulo importante da história do esporte e clareou-se os rumos de nomes que vivem diferentes estágios em suas carreiras, caso de Estebán Ocón, Valtteri Bottas, Sérgio Pérez e Nico Hulkenberg. Com o segundo lugar na prova, o inglês Lewis Hamilton consolidou sua liderança e deu mais um passo importante para chegar ao seu sexto título.
A morte é algo indissociável do ser humano; na luta para derrota-la o máximo que consegue é posterga-la. No automobilismo essa batalha tem formas semelhantes e desfechos variados, como é o caso de Jochen Rindt. Morto após um acidente durante os treinos para o GP da Itália de 1970, ele foi declarado campeão póstumo graças a Emerson Fittipaldi no GP dos Estados Unidos. A primeira vitória do brasileiro na prova final daquela temporada evitou que o belga Jackie Ickx somasse mais pontos do que o piloto austríaco nascido na Alemanha.
A década de 1970 foi marcada por várias fatalidades e pelo início de mudanças que aumentaram sobremaneira a segurança dos carros graças a um processo liderado inicialmente por Jackie Stewart e, posteriormente, por Niki Lauda, ele próprio vítima de um acidente em Nürburgring que quase custou-lhe a vida. O austríaco sobreviveu e conquistou mais dois títulos. A história do alemão Stefan Bellof, que em 1984 despontava como revelação junto com Ayrton Senna, não teve a mesma sorte e, coincidentemente, terminou em um acidente em Spa, exatamente na curva Eau Rouge. Esse clássico circuito belga remanescente raro de uma era de traçados clássicos ajuda a consagrar mitos, mas cobra seu preço, como se viu no fim de semana.
O candidato a mito da vez é Charles Leclerc, que desde o início do ano vinha dando mostras de sua capacidade acima de média e próxima do topo. Alguns erros típicos do período de maturação de um piloto jovem adiaram o primeiro triunfo de uma carreira já marcada por momentos difíceis como as perdas do mentor Jules Bianchi e do pai, falecido em um fim de semana de competição. Pode-se esperar que a partir de agora suas atuações serão mais espetaculares, as vitórias mais frequentes e as disputas com o arqui-inimigo Max Verstappen se consolidem como a marca da F1 dos próximos anos. Ironicamente o holandês abandonou a prova, consequência de uma manobra infeliz logo após a largada.
Anthoine Hubert estava em um caminho semelhante e era considerado o novo astro do automobilismo francês, com vitórias e títulos em praticamente todas as categorias por onde passou. Esse currículo garantiu o apoio da Renault, ávida por ter um gaulês em sua nova fase na F1; infelizmente a essência do esporte impediu que essa promessa se transformasse em realidade. Na sua última prova de F2 Hubert largou do fundo do pelotão, consequência de um erro de sua equipe ao montar os pneus de seu carro, e tentava recuperar-se desse prejuízo. Um erro de Giovani Alesi na saída da Eau Rouge levou vários pilotos a mudar trajetória em um momento crítico; Hubert chocou-se contra as barreiras de proteção do lado interno da pista ao desviar do adversário. Ao voltar à pista seu carro foi atingido pelo carro de Juan Manuel Correa, equatoriano naturalizado estadunidense.
O choque ocorreu na pior situação possível, a batida em “T”, a frente do carro de Correa atingindo a lateral do monoposto do francês. Hubert faleceu horas após a batida. Até ontem Correa permanecia em situação estável, com as pernas fraturadas, e lesões graves no pé direito, detalhe que poderá significar o fim de sua carreira no automobilismo. A gravidade do acidente levou a FIA a suspender a prova e cancelar a etapa de domingo.
No paddock da F1 a perda do piloto francês causou consternação e as novidades anunciadas no final de semana foram transferidas para um canto do cenário. Como era esperado, a confirmação de Valtteri Bottas para uma terceira temporada na equipe Mercedes disparou anúncios e indicou o futuro de alguns pilotos. Deste grupo, o que está em melhor situação é Estebán Ocón, confirmado pelos próximos dois anos na equipe Renault. Em seus tempos de Force India o franco-catalão mostrou-se um adversário duro para Sérgio Pérez, apesar da maior experiência do mexicano.
Depois de chegar à categoria como grande esperança mexicana, Pérez acabou por firmar-se equipe Force India, time que foi absorvido pela Racing Point, onde ele permanecerá por mais três anos. Tal decisão limitará suas chances: a equipe comandanda por Lawrence Stroll dificilmente terá condições de lutar contra um time de fábrica como a Renault no futuro próximo.
Futuro, aliás, é um tempo que Nico Hulkenberg vê com certa apreensão após perder seu lugar para Estebán Ocón. Já veterano na categoria, ele já está estigmatizado como o piloto que disputou o maior número de corridas sem jamais ter conseguido um lugar no pódio. Dono de um estilo de pilotagem que privilegia levar o carro ao fim das corridas, Hulkenberg parece destinado a passar pela F1 sem ter conseguido o brilho para se tornar uma estrela, caso de Lewis Hamilton.