Pausa da Fórmula é só para corridas
Largada catastrófica marcou o GP da Hungria e ameaça presença de Bottas na Mercedes
O resultado do GP da Hungria disputado no último fim de semana marca uma interrupção de praticamente um mês sem corridas e levanta questões interessantes para a segunda metade da temporada 2021, que prossegue dia 29 com a disputa do GP da Bélgica. Esse intervalo, porém, não será ignorado pelo circo e pelos fãs da categoria: há muito que se falar e conjecturar sobre o que aconteceu domingo, as condições peculiares do clima e do circuito belga e como as equipes vão se reorganizar nesse período. O campeonato vai recomeçar não do zero, mas com uma vantagem de Lewis Hamilton sobre Max Verstappen, diferença que hoje está na casa de 8 pontos. A equipe Aston Martin tem até esta quarta-feira (4) para decidir se vai apelar contra a desclassificação de Sebastian Vettel, segundo colocado em Hungaroring, atrás do francês Estebán Ocón e à frente de Lewis Hamilton.
A primeira vitória de Estebán Ocón e da marca Alpine transcendem os pontos que cada um deles somou em Hungaroring. Para o francês de origem catalã significou a alforria de temporadas difíceis e de incertezas; muito mais do que resistir aos ataques de um tetracampeão de nome Sebastian Vettel, ele triunfou em uma equipe que divide com ninguém menos que Fernando Alonso, bicampeão mundial e conhecido por ser algoz de seus companheiros de escuderia. No que toca à marca francesa, o triunfo vai facilitar a aprovação de verbas junto ao comando a Renault, uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo e, por isso mesmo, muito sensível a investimentos não diretamente ligados ao seu negócio principal. Além disso, consolida a reestruturação feita no intervalo entre as temporadas de 2020 e 2021, quando Cyril Abiteboul foi desligado e o comando da operação passou ao triunvirato formado por Laurent Rossi, Marcin Budkowski e Davide Brivio, este último vindo do mundo da MotoGP.
Se para os franceses o futuro é azul celeste, como que a combinar com as cores dos A521 de Alonso e Ocón, para o finlandês Valtteri Bottas o horizonte tem cores mais carregadas e sombrias. Ainda que sua posição na equipe seja claramente a de escudeiro de Lewis Hamilton, a variação dos seus resultados na atual temporada colocou em xeque sua permanência no time que o contratou em 2017. São raros os casos de equipes onde dois pilotos vencedores tenham convivido em harmonia: Niki Lauda e Alain Prost (McLaren, 1984) e Damon Hill e Jacques Villeneuve (Williams, 1995/6) são exceções que ilustram a situação.
No ambiente competitivo e nem sempre ético da F1, o desgaste natural de um relacionamento profissional normalmente só é revigorado com a mudança de ares. O que não pode acontecer é mudar com frequência: entre 2018 e 2021 Daniel Ricciardo deixou a Red Bull, passou pela Renault, estreou este ano na McLaren e viu seu nome cogitado para substituir Sebastian Vettel na Ferrari. A cada prova que passa o novato Lando Norris mostra-se mais eficiente que o experiente australiano de Perth e consolida uma interrogação sobre seu verdadeiro lugar na categoria. Se no ano passado o equilíbrio entre Norris e Sainz era notório, em 2021 o cenário na casa de Woking lembra mais a Red Bull, onde fica cada vez mais claro que apenas Max Verstappen consegue explorar a fundo o chassi desenhado por Adrian Newey.
A disputa entre a Red Bull e a Mercedes está cada vez mais acirrada e se espalhando por espaços muito além do asfalto e dos computadores por onde correm e são acertados os RBR 16B e os Mercedes-Benz AMG M12. As provocações entre os dois times estão em um crescendo que há tempos não se notava, sinal de que a categoria passa por uma mudança de valores que é diretamente proporcional ao capital investido nessas equipes. À rivalidade entre Lewis Hamilton e Max Verstappen dentro das pistas somam-se os embates e acusações lançados por Christian Horner e Helmut Marko em direção a Toto Wolff, que revida a seu modo. Se na pista Hamilton joga cada vez mais duro com Verstappen, nos boxes os dirigentes agem igual ou são ainda mais contundentes.
Outros pontos que renderão discussão nas próximas semanas envolvem Sebastian Vettel, a equipe Aston Martin e os prejuízos causados por acidentes durante as provas. O alemão provocou mal-estar no relacionamento da FIA com o governo húngaro ao aparecer em público usando uma camiseta com mensagem de apoio ao movimento LGBT (e várias outras iniciais), algo que é combatido ferrenhamente pelas autoridades do País. Coincidência ou não, ele foi desclassificado da corrida porque os comissários técnicos não conseguiram recolher um litro de combustível do seu carro ao final da prova. As duas anormalidades incandesceram o debate sobre até onde vai a liberdade dos pilotos em expressar suas opiniões e o equipamento padrão que mede o fluxo de combustível e é padrão para a categoria. A Aston Martin alega que, de acordo com esse medidor, haveria um litro e meio de combustível a bordo do AMR21 #5, bem mais que os 300 ml que foram obtidos na verificação pós prova.
Desde que o limite de gastos anuais foi instituído pela FIA, a relação das equipes com a entidade mudou bastante. Primeiro gerou uma discussão sobre o seguro nas Sprint Races, as corridas de 100 km deste ano, eventos que definem as posições do grid e aumentam os riscos de acidentes. Em Silverstone, Christian Horner indicou que os prejuízos causados pela batida entre Lewis Hamilton e Max Verstappen provocou prejuízo superior a US$ 1 milhão. Agora Mattia Binotto, o sombrio bam-bam-bam da Ferrari, pôs em discussão uma forma de ressarcimento financeiro para acidentes provocados por pilotos. Estivesse em vigor uma regra para isso e pelo menos a Mercedes – cujo piloto Valtteri Bottas eliminou Lando Norris e destruiu boa parte da aerodinâmica do carro de Verstappen – e Aston Martin (Lance Stroll tirou Charles Leclerc da prova na primeira curva), estariam amargando uma sangria quase desatada em seus saldos bancários.