Primeiro uma constatação: foi o pior Brasileiro dos últimos tempos. É possível que alguns dirigentes nos digam que foi ótimo, como nos disse Ney Lins, presidente da FAUGO, em uma reunião com a imprensa. Outros poderão dizer que já estavam preparados e esperavam que o Brasileiro não fosse tão bom como na gestão Pedro Sereno, já que uma nova CNK, ainda não tão entrosada havia assumido. Um dirigente já admitiu erros e isto você verá talvez ainda hoje, em uma entrevista concedida ao Kart Gaúcho.
A nossa avaliação não será condescendente, tenham certeza, e isto você lerá a partir de agora.
Nós também já esperávamos um Brasileiro ruim, quase todos nós sabíamos – por informações das mais diversas pessoas possíveis – que Goiânia não teria condições de receber um evento deste porte. Nada contra, em absoluto, a Copa Centro-Oeste – e se alguém se ofender, peço desculpas, não é esta intenção –, mas a Copa Centro-Oeste não é um Brasileiro. Porém, não esperávamos que um Brasileiro em Goiânia seria tão ruim, tão negativo, tão desprovido de brilho.
Imprensa – Começamos – de forma um pouco egoísta – pelo que nos interessava diretamente, ou seja, condições para a imprensa trabalhar. Quando chegamos ao kartódromo na segunda-feira à noite, nosso colega da Revista Karting News, Ricardo Fávaro, já estava providenciando estas condições.
Ops, algo errado: não era um componente da imprensa que deveria estar providenciando e sim os organizadores, FAUGO ou CNK. Somos unidos e vendo que esta boa condição de trabalho não nos seria fornecida com a agilidade necessária, Fávaro tratou de conseguir mesas e internet (!!!). A internet, que deveria ter sido prevista e solicitada com semanas de antecedência, foi pedida apenas alguns dias antes. Ninguém se lembrara que as coberturas dos sites precisam de internet? A internet foi obtida usando-se o sinal da sala de administração, retransmitido por wireless através de um roteador comprado no dia por.... Geovane Gonçalves, pai do piloto local João Pedro Custódio!!!
Os problemas na sala de imprensa, porém, continuaram e o acesso aos resultados era difícil, já que o live-timing da cronometragem não funcionava da forma que deveria e nem sempre conseguimos divulgar quem havia vencido tal corrida. A internet? Caía várias vezes durante o dia e os sites ficavam sem comunicação com o mundo. Se houvesse sido solicitada com antecedência, teríamos certamente a velocidade e a qualidade necessárias. A própria cronometragem não tinha internet fornecida pelo kartódromo e sua transmissão era feita através de modem 3G, próprio, o que talvez explique a ineficiência do live. Não tínhamos sequer uma televisão para sintonizarmos no canal que transmitia o sinal da cronometragem. Ney Lins nos disse muito antes de o Brasileiro começar – quando as primeiras fotos do kartódromo haviam sido divulgadas – que havia organizado quatro ou cinco nacionais. E que havia assinado o caderno de encargos da CNK. Mas que não sabia que precisava de uma televisão na Sala de Imprensa. E isto constava do caderno de encargos e estava na Sala de Imprensa dos nacionais anteriores.
Wagner Gonzalez, assessor de imprensa da CBA, com toda sua competência e experiência, não tinha muito que fazer e tratava apenas de tornar o mais confortável possível nossa passagem por este Brasileiro.
Geral – Bem, agora vamos aos problemas de quem faz um Brasileiro acontecer, de quem financia um Brasileiro, de quem são – verdadeiramente – os donos do espetáculo: os pilotos e pais de pilotos e suas equipes, há muito relegados a condição de meros coadjuvantes. Os problemas destes foram infinitamente piores.
Parque Fechado – No Parque Fechado só quem se entendia eram os experientes Luis Fernando Esmeraldo e Ricardo Bignoto, os comissários técnicos. Ney Lins disse que absolutamente todas as pessoas que trabalharam no Parque Fechado eram da CNK, em uma evidente distorção. Já ajudei na organização de muitos Brasileiros, Copa Brasil e Sul-Brasileiro e fui um dos principais organizadores do último Pan-Americano. Por isso sei quem trabalha em um Parque Fechado: lacradores, abastecedores, entregadores de pneus. Pela mesma razão sei também que estas pessoas são sempre locais. E em Goiânia eram inexperientes.
Segundo soubemos, alguns deles eram os pedreiros que a poucos dias haviam terminado as obras de adequação do kartódromo. Mais uma vez, desculpas: os pedreiros têm uma profissão muito digna e ganham seu dinheiro honestamente. Eles apenas não eram as pessoas indicadas para estas funções, teriam que ser pessoas mais experientes. Por isto o Parque Fechado era uma bagunça total, com a entrega dos pneus a pilotos errados, falta de lacre, etc. Nos momentos finais do Brasileiro, não havia mais lacre para lacrar os tanques de combustível. A solução foi improvisar e os karts, que passaram a não ser lacrados então, ficavam em uma área criada especialmente para isto, sob os olhos de pessoas atentas aos espertos de plantão, até que fossem liberados para alinhar no grid. Tenho certeza de que Esmeraldo e Bignoto gostariam de ter saído correndo.
Comissários Desportivos – Um dos primeiros pontos realmente negativos do pior Brasileiro de todos os tempos, que evidenciou que algo estava errado, foi o engano dos Comissários Desportivos, que não aplicaram na íntegra o que diz o sistema CIK/FIA: a tomada de tempos determina a ordem de largada para todas as classificatórias. O erro foi constatado tardiamente, quando duas categorias já haviam largado pela chegada da primeira prova. O que fazer agora? Contentar os atuais descontentes ou descontentar os contentes? Um beco sem saída, evidentemente. A solução foi descontentar os que estavam contentes e as provas foram anuladas. Grita geral, que acabou não fazendo efeito, pois as anulações foram mantidas. Segundo Alexandre Lagana, um dos comissários, o erro pode e deve sim ser atribuído a eles, comissários, mas também a cronometragem, que soltou os grids da forma errada. Como os comissários não conferiram o grid divulgado e são responsáveis por toda a condução desportiva de uma corrida, erraram.
Diretor de Prova – As largadas de sexta-feira geraram uma sequência de “strikes” na curva 1. Na Júnior Menor, por exemplo, uma das largadas mostrou 22 dos 23 pilotos rodados ou quase rodados. Apenas um se safou e, depois, seis ou sete destes pilotos que conseguiram manter os motores de seus karts ligados ainda voltaram à pista. 15 ou 16 ficaram parados. Bandeira vermelha, evidente. E isto aconteceu na quase totalidade das largadas de sexta, e por duas simples razões:
1 - os pilotos vinham muito rápidos e não respeitavam a linha dos 25 metros, a partir de onde eles poderiam realmente acelerar. Por que não respeitavam? Porque o Diretor de Provas, Luiz Mann, não se impunha, muito simples. No sábado, quando a linha aparentemente passou a ser cobrada, apenas uma largada teve resultado semelhante às de sexta. Provavelmente a necessária cobrança havia sido feita.
2 - ficou claro e quase unânime que elas deveriam ter sido realizadas na pequena reta logo após a curva 1, como tem sido feito nas provas locais e foi feito no Open do Brasileiro/ Centro-Oeste. Era mais seguro, pois os pilotos teriam uma curva mais suave para dividir.
Some-se a isto tudo a maneira “não muito educada” com que Mann se dirigia às pessoas, fossem quem fossem. Não é assim que um Diretor de Provas deve agir para se impor. Ah, falo com conhecimento de causa, mais uma vez: por diversos anos exerci esta função, onde atingi meu ápice pessoal quando dirigi o Pan-Americano de 2003 em Tarumã. Fui também comissário desportivo por um período grande, ou seja, sei do que falo.
Porém, algo deve ser a dito a favor da Direção de Prova (Comissários e Diretor): trabalhar sob uma pressão enorme como essa, com um Parque Fechado ineficiente, apenas para citar um fato contrário, que ao fim das três tomadas de tempo já gerara um atraso de 45 minutos, é muito difícil. O próprio Rubens Gatti, presidente da CNK, admitiu que houveram erros, mas deu boa parte dos créditos a esses a dificuldade de suportar toda esta pressão. “Errar é humano”, disse Gatti.
Pista – A pista, visualmente feia, não me proporcionou aquela ótima sensação de estar em um Brasileiro, sensação que eu tinha ao voltar para a área dos boxes, onde as principais equipes e pilotos do Brasil lá estavam. Bem, alguém diria: quem vê cara não vê coração. É, talvez. Mas desta vez o ditado não mostrou a realidade e o “coração” era também feio, muito feio. As tais barreiras de proteção, que segundo Ney Lins e diversos locais diziam não ser necessárias, salvaram o Diretor Adjunto, também local, de ser atropelado por um Cadete ou Mirim, não lembro. Já imaginaram se fosse um 125? Ou se a barreira lá não estivesse?
As zebras eram altas e isto certamente ajudou em muito na ocorrência de acidentes e até mesmo de capotagens. Ninguém viu que elas eram altas? Sinto muito, mas existiram problemas nas avaliações feitas e felizmente a constatação de que a pista não era segura se deu apenas através de incidentes, médios ou graves, mas nada que nos fizesse estar hoje chorando.
Voltamos à ditadura? – Um dos fatos mais lamentáveis do sábado – dois na verdade – nos remeteu aos tempos dos generais. Uma briga ridícula entre dois pais de pilotos – e a acidez com que este texto está sendo escrito não me permite sequer dar “ibope” a eles, citando seus nomes – gerou um chamado à polícia, o que por sua vez gerou um fato revoltante em tempos de plena democracia. Nei Tessari, do site Allkart, tirava fotos do momento em que as “autoridades!!!” falavam com um dos pais. Como parece que no Brasil não se pode tirar fotos da polícia – alguém sabia disso??? – Nei foi seguro pela mão, que foi torcida, e foi obrigado a deletar todas as fotos tiradas. Ele quase foi preso, não fosse a intervenção de Ney Lins, finalmente visto de forma positiva.
É necessário, porém, isentar de forma muito incisiva que estes fatos não têm absolutamente nada a ver com a CNK ou FAUGO. Foi um fato isolado no meio da situação, já tensa e negativa por todos os erros que citamos aqui.
Funcionou - Para não ser injusto, dizendo que absolutamente tudo estava errado, sabemos que alguns setores funcionaram bem. A secretaria de prova, comandada pelos sempre competentes Danilo Bigão e Joana Rezende, não foi alvo de reclamações por parte de ninguém com quem eu tenha falado, pelo contrário. E o serviço médico me pareceu exemplar quando foi exigido – e o foi por muitas vezes. Ah, ia esquecendo: o Bar do Chico também funcionou maravilhosamente bem.
Pontos positivos – Rubens Gatti, presidente da CNK, trouxe-nos um dado positivo também. Esta fase do Brasileiro teve a venda de pneus diminuídos pela metade em relação à mesma fase de 2008, o que significa redução de 50% nos custos deste item para os pilotos. Nunca é demais lembrar que até o ano passado os pneus eram liberados em suas quantidades para os treinos e para este ano a nova CNK limitou este número em dois jogos para a Cadete e quatro para a 125cc, para todo o evento. Outro dado trazido por Gatti diz respeito à Comissão Disciplinar. O Tribunal montado na pista para atender os pilotos que se sentiam prejudicados por alguma decisão, em 2008 teve seis apelações. Em 2009 apenas uma.
Dois outros fatos positivos podem ser citados nesta 1ª fase. Dentre os cinco campeões de Goiânia, um – Renan Papareli – ganhou da CBA, através de sorteio realizado na Sala de Imprensa, um motor Parilla 125. E o campeão da Cadete passará um dia nos boxes da Fórmula 1, junto com a CBA, premiação inédita no kartismo brasileiro.
A “culpa” dos pilotos e seus pais – De tudo isto uma lição pode e deve ser tirada. Evidentemente a culpa pelo retumbante fracasso desta 1ª fase é exclusivo da CBA/CNK e FAUGO. Porém, se os donos do espetáculo fossem mais unidos é possível que o espetáculo não tivesse sequer tido início. Antes de a imprensa receber fotos e reclamações a respeito de toda a estrutura de Goiânia, muitos pilotos e seus pais já reclamavam e sabiam que algo poderia estar errado. Saber com certeza, só quando os de fora lá chegassem, é claro. Um pouco de união em situações assim poderia ajudar e não ter participado poderia alertar os dirigentes. Não há problema algum em não correr uma edição do Brasileiro ou o Brasileiro não ter sido realizado em determinado ano se o fato servir como um divisor de águas, como este, o de Goiânia, 1000% certamente servirá.
Os campeões – Ter participado de um evento sem brilho como este já torna a todos campeões. Já viram imprensa campeã? É, estávamos lá, então também somos campeões. Todos merecem ser parabenizados, mas é claro que sempre os campeões ganham felicitações extras. E desta vez não pode ser diferente. Ou melhor, deve ser diferente: ser campeão nestas condições é algo parecido com conquistar dois títulos na mesma competição. Então, parabéns não aos campeões e sim aos bi-campeões.
Política + esporte – Não precisa ser um grande matemático para saber que a equação dá sempre negativo. O exemplo deste Brasileiro é claro: a 1ª fase foi para Goiânia exclusivamente por razões políticas. Ninguém pensou: puxa, temos que lembrar dos pilotos, que já estão organizados, compraram passagens, reservaram hotel, estão treinando na pista de Florianópolis. Enfim, ninguém perguntou: é o melhor para o esporte? Nunca vi alguém ir para a arquibancada pensando em vibrar e soltar foguetes ao ver um presidente de federação ou da CBA passando em sua frente. Pelo que lembro as pessoas querem ver lindas disputas na pista, uma freada mais atrasada gerar uma bela ultrapassagem, ver seu filho, seu amigo ou até mesmo um piloto, de quem eles só conhecem o capacete, ser campeão. Ou seja, a estrela é o piloto e não o dirigente. Por isto, o fato político de ter trocado Florianópolis por Goiânia só serviu para uma coisa: estragar a 1ª fase. Como sabemos que foi uma decisão política? Ney Lins nos disse na reunião que tivemos com ele e Gatti: ele fez de tudo para que Santa Catarina, cujo presidente Jairo dos Anjos Albuquerque não se juntara à oposição que enfrentaria Paulo Scaglione, não recebesse o Brasileiro. Era seu único desejo, disse-nos, sem o menor constrangimento. Alguém acha que ele pensou nos pilotos?
E nisto tudo, neste embate para não deixar Santa Catarina receber o Brasileiro, quem se prejudicou foram os pilotos. Mais uma vez, azar deles. Mas não podemos criticar tanto, afinal todos tivemos a oportunidade de conhecer o Flamboyant, um dos shoppings mais bonitos que já vi. Ney Lins nos disse que sua preocupação era dar conforto aos pilotos e quis o Brasileiro em Goiânia, onde, segundo ele mesmo, existe um ótimo shopping. É verdade, o shopping é fantástico. Nada mais ele disse com relação a outros confortos que tínhamos à disposição no Kartódromo Ricardo Santos, talvez porque eles não existiam. Uma pena que foi quase que só isso de ótimo, o Flamboyant, que se viu no Brasileiro de Goiânia.
Ah, ia me esquecendo: o Kart Gaúcho fez uma enquete com seus internautas que perguntava “O que você acha da possível troca do Brasileiro de Florianópolis para Goiânia?”. A resposta de exatos 639 internautas foi a seguinte: 89% péssimo e 16% ótima. Mas ninguém deu bola, eram apenas pilotos.
Conclusão – O kartismo não acabou, foi apenas um momento péssimo que vivemos. Curitiba – e já conversei com dirigentes – terá que ser e deverá ser diferente. Todos devemos – principalmente pais e pilotos – usar os fatos da semana como uma lição, como um divisor de águas. Acho que um fato positivo deve ser tirado: o fracasso de Goiânia poderá ser o renascimento de um kartismo melhor administrado, talvez a partir de agora com atuação mais direta dos maiores interessados em que o esporte seja o que é: esporte, nos cinco primeiros lugares do pódio. Política ruim? Bandeira preta.
Kart Gaúcho/ Revista Karting News – Erno Drehmer