Tinha tudo para dar errado. Diagnosticado aos três meses de vida como portador de surdez bilateral profunda, Edson “Dédo” Silva Júnior nasceu em um país e época em que inclusão social dos deficientes físicos e sensoriais não passa de um termo meramente “bonitinho” e “politicamente correto”. As construções publicas e mesmo as da iniciativa privada raramente são planejadas para quem vê o mundo “de baixo”, sentado em uma cadeira de rodas, ou com dificuldades de locomoção e para os surdos, pior ainda, pois inexistem em órgãos públicos, escolas, hospitais, delegacias de policia, museus, shoppings, ou em qualquer empresa, interpretes especializados em Libras – Língua Brasileira de Sinais – para a comunicação com os deficientes auditivos.
Nesse novo milênio, em que informação e comunicação vale mais do que o vil metal, ser surdo é estar fadado ao isolamento, é assistir ao mundo passar diante dos olhos sem a possibilidade de qualquer integração social, é viver em um efetivo ostracismo e sempre dependente de algum parente para as atividades básicas da vida.
Contando com forte apoio familiar, Dédo cresceu disposto a superar essas barreiras. Muito ativo e esperto não parecia haver qualquer tipo de deficiência. Na infância tinha um hobby: colecionar e brincar com carros. Teve um triciclo motorizado aos quatro anos e com ele andava o tempo todo. Só não gostava tanto porque ia muito devagar. Foi muito ligado aos esportes desde cedo: Judô, Kung-Fu, basquete, futebol, natação, esgrima e o tênis, foi outra paixão que viveu intensamente. Também já fez snowboard, rafting, rapel e escalada esportiva. Já mergulhou, andou de quadriciclo e voou de asa delta. Mas o tempo foi passando, a paixão pela velocidade e pelos carros aumentando, e uma vez ou outra andava em karts de aluguel.
Nesse “metier” do kart indoor soube que outro surdo – o piloto paulista Julio Reis - abrira as portas do mundo das competições oficiais para os deficientes auditivos e resolveu levar a então “brincadeira” a sério. Em 2005 e 2006, passou a freqüentar uma pista competitiva e educativa: o Kart-in Jaguaré, verdadeiro celeiro de pilotos renomados. Passou a ter aulas de pilotagem com o multi-campeão de kart quatro tempos Beto Nini e começou a competir em um campeonato de karts de aluguel, a APKA. Ainda com karts de locação, Dédo competiu em outros circuitos de São Paulo, como o Pit Stop e Aldeia da Serra e nas pistas de Atibaia, Caraguatatuba e Foz do Iguaçu. Completamente envolvido pelo esporte de paixão, Dédo conquistou vários prêmios em 2007 e foi campeão da ASSEKA, uma associação de pilotos cristãos.
Sentindo-se “pronto” para alçar vôo nas competições oficiais, na temporada de 2008 Dédo ingressou na equipe paulista Mingo Racing e formando dupla com o piloto Eduardo Batista tornou-se logo um dos destaques da competitiva categoria Pró-500 – a mesma que disputa a 500 Milhas de Kart – da Copa São Paulo de Kart Granja Viana e freqüentador assíduo dos pódios dessa classe.
Criado em Portugal em 2002 pelos organizadores do kartódromo Karting Almancil, que realizou uma prova internacional para pilotos portadores de deficiência física, o Parakart (marca internacionalmente registrada pelo Karting Almancil) encontrou eco nas pistas brasileiras, que formou uma equipe com os pilotos Julio Reis (surdo) e Sergio Vida (paraplégico) para as disputas do primeiro campeonato mundial da categoria, com organização da CIK/FIA e que teria vez em 2003 no kartódromo lusitano do Algarve. Como o certame foi cancelado às vésperas de sua realização e o team brasileiro que era considerado o favorito ao título estava afiadíssimo, a empresa brasileira que patrocinava a equipe resolveu premiar a dupla com uma participação na categoria Biland - então a principal do Brasil - e em qual disputavam regularmente pilotos de renome internacional, contando com o trabalho de box e adaptação do kart para o piloto paraplégico, da equipe Mingo Racing.
Domingos Zamora, team owner da Mingo Racing apaixonou-se pela empreitada que permitia, verdadeiramente, a inclusão de deficientes no kartismo e, com apoio do Clube Granja Viana, das empresas Tecper e Refrigerantes Dolly conseguiu a autorização de Jean Escrivá (detentor da marca internacional) e do representante brasileiro da entidade (Claudio Reis), para o lançamento da categoria Parakart no Brasil.
Com karts adaptados para serem conduzidos apenas com as mãos, Dédo adaptou-se rapidamente à categoria Parakart, conquistando o título de Vicecampeão Paulista na temporada de estréia da classe, a de 2008, ano em que ainda venceu a corrida de apresentação realizada como abertura da 500 Milhas de Kart, que contou com a participação de pilotos de categorias internacionais do automobilismo. Dédo venceu e recebeu seu troféu das mãos do campeoníssimo piloto de F-Indy, Tony Kanaan.
Dédo continua firme na Copa São Paulo de Kart Granja Viana, disputando ao mesmo tempo as categorias Pró500 e Parakart – é atualmente o vicelíder do campeonato -, bem como provas da AMIKA e Kart Performance.
O sucesso nas pistas não fez Dédo desdenhar da vida fora do esporte e há dois anos é universitário, como acadêmico do curso de Editoração Gráfica e Digital - Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. Um surdo, com deficiência profunda e todas as dificuldades inerentes da deficiência, está superando barreiras e conseguindo resultados positivos neste mundo tão competitivo.
O Campeonato Brasileiro de Kart
Sensível à causa da inclusão desportiva, a CBA- Confederação Brasileira de Automobilismo decidiu integrar a categoria Parakart ao cenário nacional e à grade do principal evento da modalidade no Brasil, o Campeonato Brasileiro de Kart, que teve sua 44ª edição entre os dias 21 e 25/07 no Kartódromo Raceland, em Curitiba (PR).
Após a realização de um único treino livre, na sexta-feira 24/07, a categoria Parakart ingressou na pista paranaense para a tomada de tempos classificatórios, que definiria a ordem de largada para a primeira das duas baterias que integravam o certame nacional. Edson “Dédo” Silva Júnior (Tecper/ Refrigerantes Dolly/ Mingo Racing) conquistou a segunda melhor marca da pratica classificatória, garantindo a posição externa da primeira fila do grid, ao lado do experiente e profundo conhecedor do circuito paranaense, o kartista Sergio Vida.
Com a pista molhada, ante a renitente chuva que parecia aumentar ainda mais o invernal frio paranaense, Dédo largou bem, assumindo a liderança da corrida, mas ainda na primeira volta da prova, derrapou em uma das inúmeras poças d’água e perdeu muitas posições para os demais competidores. Aguerrido, Dédo partiu para uma prova de recuperação e impondo forte ritmo conseguiu recuperar vários postos, para completar as dez voltas de corrida na quarta colocação. A prova foi vencida por Sergio Vida, com Rafael Rodrigues em segundo e Daniel de Moraes em terceiro.
No dia seguinte – sábado 25/07 – a bateria Final, que cristalizaria historicamente o primeiro Campeão Brasileiro da categoria Parakart. Partindo da quarta colocação, Dédo optou por uma largada mais cautelosa, para evitar envolver-se em acidentes, permanecendo na quinta colocação. Mas em poucas voltas Dédo já estava na liderança, ultrapassando os demais concorrentes e beneficiado pela saída da disputa de Sergio Vida, o principal oponente, com o pneu de seu kart furado.
Com maestria, Dédo conduziu seu kart #14 pelas velozes retas e curvas do Kartódromo Raceland, sem dar oportunidade de aproximação de Rafael Rodrigues (2º colocado) e Rony Vasconcelos, que seguia pela terceira posição. Completadas as treze voltas regulamentares de corrida, o deficiente auditivo Edson “Dédo” Silva Júnior (Tecper/ Refrigerantes Dolly/ Mingo Racing) era o vencedor, para sagrar-se o primeiro Campeão Brasileiro da categoria Parakart na história. Rafael Rodrigues cruzou na segunda colocação, empatando em 18 pontos conquistados com Dédo, porém a vitória na prova final decidiu, como critério de desempate, em favor de Dédo e consagrando Rodrigues como Vicecampeão Brasileiro de Kart. Daniel de Moraes ficou com o quinto posto na prova, mas pelos pontos conquistados, merecidamente, foi o terceiro ocupante da pick-up da CBA na Volta dos Campeões.
No pódio, Edson “Dédo” Silva Júnior (Tecper/ Refrigerantes Dolly/ Mingo Racing), que tem domínio de leitura labial e, com as naturais dificuldades, consegue articular palavras, dedicou seu titulo a todos os pilotos deficientes do Brasil e, em especial, para o piloto Julio Reis, surdo como ele e que abriu as portas desse esporte no país para todos os deficientes físicos e/ou sensoriais poderem provar que não existem limites que não possam ser superados.
Um titulo brasileiro sentido em silencio, mas ruidosa e emocionadamente comemorado por todos que estavam presentes do belíssimo Kartódromo Raceland.