Os pilotos gaúchos, assim como no ano passado, tiveram ótima performance no Campeonato Brasileiro de Kart, mesmo que o kartismo no Estado esteja vivendo uma crise já há alguns longos anos.
Se em 2010 tivemos Fernando Pastro (Super Sênior) e Dudu de Moraes (Sênior B) campeões brasileiros – além de outros ótimos resultados, inclusive de pódio –, este ano os gaúchos comemoraram o título de Saul Leite Jr. na Super Sênior, uma das mais difíceis e equilibradas categorias do Brasileiro 2011. Além dele, Francesco Ventre e Rodrigo Kubiczewski conquistaram um lugar no pódio, terminando a Sênior A em 3º e 4º. Dudu Dieter também foi bem, ainda na 1ª fase, quando ficou com o vice na Super F4, e repetiu as boas atuações em Minas na segunda, mas terminou em 8º na Sênior A.
Outros gaúchos, como Arthur Leist, Victor Matzenbacker, Gabriel Robe e Jorge Busato também obtiveram excelentes resultados, mas competindo por equipes de fora do Rio Grande do Sul, o que de forma alguma diminui o mérito de suas conquistas.
E é nesse ponto que queremos chegar. Assim como no ano passado, este ano o título de Saul, por exemplo, foi conquistado com uma equipe genuinamente gaúcha, a Kartsul, do preparador Neco Fornari, ele mesmo um piloto de muitas histórias e títulos no kartismo. Ventre, por sua vez, competiu com seu chassi acertado pelo preparador Jone, o mesmo que ajudou Pastro no título do ano passado, e com motores dos especialistas Nico e Mano, também gaúchos. Kubiczewski contou com a experiência da também “local” Mittag no acerto de chassi e motor.
Então, como pode um kartismo “pobre”, com grids minguados e muitas reclamações no seu dia-a-dia, ter conquistado três títulos de campeão brasileiro nos dois últimos anos, com “recursos próprios”, ainda que a qualidade de seus profissionais seja elevada? Será apenas em razão dos profissionais que atuam no kartismo gaúcho?
“O que nos ajuda em um Brasileiro é a união dos gaúchos quando estamos fora do Estado. Eu mesmo procurei ajudar gaúchos lá em Minas e também fui ajudado. E, claro, não podemos esquecer o talento de nossos preparadores e de nossos pilotos”, aponta Ventre. “Infelizmente, a meu ver, isto não acontece internamente no kartismo gaúcho, não existe essa união. Não é culpa dos eventos, que são bem organizados, acho que a culpa é da falta de união”, salienta.
Carlos Eduardo Maciel, diversas vezes campeão nas competições locais do Velopark, também explica sua visão do assunto. “Sem dúvida que os títulos do Saul, Dudu e Pastro foram por próprio esforço pessoal, eles são o puro exemplo de batalha pessoal. Só foram campeões, muito merecido, por sinal, porque fizeram por si e por terem bons preparadores gaúchos como o Neco Fornari por trás deles na preparação”, garante. “No kartismo do Rio Grande do Sul não tem crise, tem bagunça. Temos um monte de categorias e meia dúzia de pilotos em cada, e isto desanima os que querem correr, mas veem grids minguados. Há também uma espécie de rivalidade entre as categorias e seus organizadores e essas coisas afastam pilotos das outras categorias”, completa.
Dudu Dieter, por sua vez, tem saudades do tempo em que o kartismo gaúcho tinha muitos pilotos em condições de tentar o título brasileiro. “Acho uma grande lástima o kartismo no Rio Grande do sul estar nesta situação. Observo que por anos e anos temos excelentes pilotos aqui no Estado, que mesmo em pequeno número no kartismo nacional, sempre nos representam com brilhantismo. Brilhantismo que poderia ser ainda maior se pudesse contar com vários outros pilotos que estão afastados por falta de apoio”, aponta. “Em 1990 fiquei em terceiro lugar em um campeonato de Cadete em Goiânia. Éramos cinco gaúchos no pódio diante de um grid de 46. Temos aqui um cenário de grandes talentos desperdiçados, ou simplesmente esquecidos. Eu mesmo já deixei as pistas por muitos anos pelos mesmos motivos. Não entendo por que aqui no Sul tudo que envolve automobilismo parece estar cada dia mais distante da realidade de seus aficionados”, reflete Dieter.
Segundo Dudu Dieter, a união – citada por seu primo Francesco Ventre – é fator primordial para esta retomada do kartismo gaúcho. “Temos que nos unir para tentar reacender esta chama. Quem sabe criar um sistema de retorno para o piloto, seja em um percentual das inscrições para premiação ou apoio externo de patrocínio”, continua. Para Dieter, a explicação para os gaúchos, mesmo vivendo um kartismo hoje estagnado em seu crescimento, conquistarem títulos enfrentando adversários com estruturas maiores, está na qualidade dos pilotos e dos preparadores, além de uma boa pitada de paixão. “Acredito que conquistamos títulos e resultados ótimos porque temos, acima de tudo, um nível muito alto aqui. Poucos pilotos, mas um nível muito bom. Dentro deste talento, vale a pena ressaltar a nossa paixão pelo kart, estampada nos olhos do Saul, Dudu Moraes, Pastro, eu, Francesco e David, entre outros”, explica. “Somos muito apaixonados e, ao mesmo tempo, revoltados pela situação que vive o kartismo gaúcho”, encerra.
Fernando Pastro, campeão brasileiro da Super Sênior no ano passado, tem uma visão semelhante. “O kart aqui é fraco, mas não por falta de pilotos com talento ou por sermos ou não sermos competitivos e sim porque algumas pessoas do meio não valorizam o potencial que temos, desde pilotos até estrutura. O Velopark, por exemplo, tomou a atitude de fechar as portas para o kartismo local devido a esse tipo de comportamento e pensamento”, afirma Pastro, que credita o sucesso obtido por ele e pelos outros gaúchos a algo maior que não só o esforço pessoal de cada um. “É muito mais que isso, é paixão pelo esporte. Se gasta como profissional, mas é um esporte considerado amador, incrível isso. Correr de kart é mais caro que correr de carro, mas ainda assim amamos o kart”, completa.
Dudu de Moraes, campeão da Sênior B em 2010 usando o esquema “caseiro” que unia seu próprio conhecimento, o de seu pai Teco – um dos primeiros kartistas brasileiros – e de seu preparador Osmar, avalia o bom desempenho dos gaúchos em nacionais dividindo-o em duas partes: técnica e conhecimento/ experiência.
Do ponto de vista técnico o fator regulamento foi muito importante sobre três aspectos, segundo Moraes. A mudança de regulamento com a adoção de pneus vermelhos a partir de 2009 equilibrou as disputas. Melhor ou não, usando pneus vermelhos, pilotos que disputam campeonatos em pistas com menor número de karts estão acostumados a situações com menos borracha na pista. “Esse era um grande problema em campeonatos nacionais para os pilotos gaúchos. Andar na borracha exige um acerto e pilotagem diferentes e isso somente indo a São Paulo para obter. Os custos, por consequência, eram muito maiores”, diz Dudu.
O campeão da Sênior B em 2010 continua: “Outro dado importante foi a adoção de apenas dois motores para todo o campeonato. Até 2008 o número de motores utilizados na competição era livre, ou seja, haviam pilotos que usavam um motor por bateria, chegando a casos em que uma equipe tinha mais de 10 motores no caminhão para somente um piloto!!! Usando não mais que dois motores a performance de todos fica equilibrada. Quanto ao chassi, a mesma coisa. Hoje apenas dois quadros são lacrados, não existe mais ficar ‘passando’ quadro ao longo de todo campeonato”, avalia.
Já do ponto de vista do conhecimento e experiência, Dudu de Moraes lembra que os gaúchos sempre foram apaixonados por corridas. Segundo ele, o conhecimento sobre o esporte e preparação sempre houve. “O que não havia era um regulamento que proporcionasse as mesmas condições, o lado financeiro sempre era o maior diferencial e hoje isto mudou um pouco. No meu caso, por exemplo, com uma equipe familiar, preparamos nossos dois motores e fomos campeões. Outros pilotos e equipes gaúchas foram campeões brasileiros e fizeram sua história dentro do kartismo. Posso citar preparadores de ponta como o Nico, Mittag, Alemão, Egon. Temos ótimos pilotos, ótimos preparadores, o problema é que todos aqui querem ser campeões, aí se cria mais de 10 categorias, 16 kartódromos e não se consegue reunir um bom numero de pilotos para disputar a mesma competição. Por isso não temos campeonatos de alto nível. Alguém explica isso?”, finaliza.
Saul Leite Júnior, que pela conquista que obteve é a maior estrela entre os gaúchos em 2011, é quem encerra a matéria, analisando como um Estado com um kartismo tão enfraquecido tenha conquistado três títulos em Brasileiro nos dois últimos anos.
“Como competir contra pilotos de outros estados, como São Paulo, por exemplo, onde a cada fim de semana acontecem provas que reúnem, no mínimo, quatro vezes mais pilotos do que aqui?”, pergunta Saul. “Investimentos absurdos (para a nossa realidade) em chassis, motores e preparação, atrás de décimos, por vezes, milésimos de segundo! Parece impossível vencer um Brasileiro, mas não é”, continua.
De acordo com o piloto – e em concordância com Dudu de Moraes – o regulamento adotado para estes últimos campeonatos tem a limitação do trabalho em motores (praticamente original) e o uso de apenas quatro jogos de pneus para todo o campeonato, tornando maior o equilíbrio entre os participantes, deixando a todos mais competitivos, uma vez que a diferença fica mais por conta da pilotagem. “Além disto, nós gaúchos temos o que pesa do outro lado da balança. Nosso histórico é muito forte e contamos com grandes kartistas e preparadores, como Neco Fornari, Osvaldo Fagundes, César Mittag e os que já vêm seguindo-os”, elogia.
Saul também concorda que o nível de pilotagem dos gaúchos é elevado. “Os poucos que insistem em andar são batalhadores e buscam aqui e ali o que for necessário para andar bem”, ressalta. “Todas nossas últimas grandes conquistas em Brasileiro foram, ao que me lembre, com estruturas modestas e sem grandes preparadores do cenário nacional. Felizmente, de uma maneira ou outra, estamos conseguimos equilibrar o kartismo regional ao nacional, a ponto de ganharmos alguns campeonatos. Isto só mostra o potencial dos pilotos gaúchos, que estariam muito mais em evidencia se tivéssemos um kartismo forte aqui no estado”, entende Saul Leite Jr.
O campeão brasileiro da Super Sênior encerra com outra constatação. “O que realmente é de tirar o chapéu é a adaptação de nossos pilotos às pistas com borracha. Completamente diferentes das corridas aqui do Sul, onde as pistas dificilmente ficam com o grip proporcionado pela borracha, a pista no Campeonato Brasileiro tem borracha para dar e vender, o que exige uma pilotagem bem diferente da realizada por aqui. E nisso também somos bons!!”, finaliza.