Assim como o Raceland Internacional e o Autódromo Internacional de Curitiba – que fazem parte de um mesmo complexo –, o Kartódromo Júlio Ventura, no Ceará, vive um momento em que é envolvido em boatos de seu fechamento. Em ambos os casos o motivo seria para dar espaço a empreendimentos imobiliários.
Para tratar do assunto, nada melhor que ler o que Robério Lessa, jornalista cearense de grande representatividade no esporte de seu Estado – e que faz ótimas coberturas no kartismo em seu portal Carros e Corridas – escreveu.
“Desde junho de 2014 uma onda de boatos tem assustado aqueles que fazem o kartismo cearense e muitos se preocupam com a possibilidade de nosso automobilismo sofrer um duro golpe. O motivo é que o palco de um dos mais disputados campeonatos estaduais, que envolve 38 pilotos e emprega diretamente algo em torno de 42 pessoas, pode dar espaço a um empreendimento imobiliário.
Caetano Veloso, em Sampa, nos lembra ‘da força da grana que ergue e destrói coisas belas’. Mas sempre buscamos crer naquela história em que a notícia ruim só bate na porta do vizinho, como foi o caso do fim do kartódromo da cidade de Natal, que cedeu lugar ao estádio batizado de Arena Dunas (detesto essa palavra Arena por tudo que ela representou ao país), construída para receber jogos da Copa do Mundo de Futebol em 2014, e que custou aos cofres públicos R$ 417 milhões.
Voltando ao nosso assunto, e peço ao leitor para ir anotando as cifras descritas nesta coluna para um raciocínio ao final, o Kartódromo Internacional Júlio Ventura, localizado na cidade do Eusébio (CE), caso não haja uma reviravolta, está com os dias contados. Não é de hoje que o município da Região Metropolitana de Fortaleza tem recebido atenção das construtoras e imobiliárias ávidas por um lote de terra para erguer casas e lucrar em cima dos que procuram sair da capital cearense em busca de um pouco mais de sossego.
Cercado por condomínios, o Kartódromo do Eusébio corre o risco de desaparecer... uma revoltante situação que se repete.
Na área em torno do kartódromo vários condomínios foram criados. Um deles teve casa vendida na planta por R$ 180.000,00 e que hoje não sai por menos de R$ 650.000,00. O kartódromo é de propriedade de um grupo empresarial que atua em várias áreas, sendo a principal delas a venda de veículos, e detém concessionárias das marcas Fiat, GM, Renault, Nissan, Kia e Honda. Em contato com representantes do grupo no mês de março deste ano, a venda da área foi descartada, mas o levantamento de informações sobre a área e a agitação natural do mercado de imóveis voltou a colocar em xeque a praça esportiva.
É natural que o grupo deseje obter lucro com a área e ninguém pode censurá-lo por isso, mas uma pergunta precisa ser respondida: para onde irão aqueles que dedicaram suas vidas há duas décadas dentro do kartódromo? Para onde irão os garotos que cresceram como ajudantes e hoje, às portas da idade adulta, escolheram como ofício a arte de preparar kart?
Se houvesse uma saída mágica para transportar a pista de 1070 metros comprimento com oito metros de largura, com a possibilidade de usar 25 traçados diferentes, para um terreno dentro do Autódromo Virgílio Távora, distante um quilômetro do kartódromo e de propriedade do Governo do Estado do Ceará, seria uma saída perfeita, mas isso só acontece em fábula ou com a ajuda dos efeitos especiais da sétima arte.
O Eusébio revelou um tricampeão brasileiro de kart: Kinho (Marcus Vinícius). Quantos outros campeões ainda podem surgir?
Voltando para nossa realidade, e aí é que observo um problema maior, parece que as chamadas autoridades estaduais não conseguem enxergar o potencial que o automobilismo pode ter como indutor da economia regional. Se o terreno do kartódromo é viável para empreendimento imobiliário e o estado tem um equipamento público nas mãos, porque não ampliar o uso deste?
Propaga-se que o Ceará é um estado turístico, que investimentos como o Castelão (R$ 351.5 milhões), Acquário Ceará (R$ 125 milhões - Obra em andamento), e Centro de Feiras e Eventos (R$ 486,51 milhões) vão potencializar o fluxo turístico. Então me explica porque um equipamento como o autódromo não merece a devida atenção para trazer uma prova nacional?
Se a ordem do dia é arrecadar mais impostos, é preciso que os gestores cearenses atentem para o quanto a Bahia ganhava com a realização da etapa da Stock Car no circuito montado nas ruas do Centro Administrativo da Bahia (CAB), em Salvador. Somente com os impostos, a Stock deixava R$ 18 milhões no mês dessa corrida. Em 2013, a Stock Car levou 50 mil espectadores para ver a corrida nas ruas da cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. A prova injetou mais de R$ 20 milhões na economia local e gerou, de acordo com dados da prefeitura do município, mais de três mil empregos.
Enquanto foi realizada, a etapa da Stock Car em Salvador foi um sucesso de público e de retorno para a cidade.
Em 2015, com toda a retração da economia brasileira, a etapa de Ribeirão Preto movimentou cerca de R$ 10 milhões na economia local, com a geração de mais de 4.200 empregos diretos e indiretos. E não vale dizer que não tinha de onde pegar emprestado, pois o Governo Federal, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), voltado para o fortalecimento do turismo, destinou para São Paulo R$ 160,8 milhões para reformar o Autódromo José Carlos Pace.
Mas o Ceará enfrenta uma seca e todo dinheiro deve ser para isso. Ok. Bom argumento, mas os outros investimentos foram realizados e ninguém falou nisso, e uma reforma no autódromo cearense não seria algo astronômico e, para voltar a receber a Fórmula Truck, por exemplo, há levantamento que aponta um investimento de R$ 6 a R$ 8 milhões.
Enquanto sediou a etapa da Fórmula Truck, o Autódromo Virgílio Távora recebeu, todos os anos, mais de 40 mil pessoas.
Em abril de 2006 a Fórmula Truck correu pela primeira vez no Ceará. Naquele ano as modificações feitas na reforma alargaram algumas partes da pista e duas alterações foram feitas no traçado para possibilitar uma corrida mais emocionante e segura. Neste evento foi reunido o maior público já presente numa prova de automobilismo no Ceará, com mais de 53 mil pessoas.
A reforma ampliou as saídas das curvas e as áreas de escape como o aumento das arquibancadas e melhorias na área dos boxes. A pista atual possibilita três traçados diferentes. E o que a categoria dos caminhões pode deixar na economia de uma cidade por onde passa? Para responder vamos a última etapa, em Guaporé. Foram 49.176 torcedores que pagaram ingressos, a partir de R$ 35,00 nas arquibancadas; Paddock, ao preço de R$ 160,00; Camarote Torcedor a R$ 350; e credencial VIP, a R$ 570,00.
Correndo hoje na categoria 250cc do Moto 1000 GP Brasil, José Duarte sofre para treinar no autódromo do seu estado.
Fizeram os cálculos da relação investimento/retorno? Vocês não consideram factível investir em automobilismo onde já existe uma praça esportiva construída? O Autódromo Virgílio Távora existe, é um fato, e investir em uma reforma é apostar nessa vocação do turismo de eventos que o Ceará possui. Então o que impede de atrair esse turista? O Ceará atrai turistas pelas praias, pelas feiras de negócios, pelos eventos, e só não capitaliza este turista das corridas porque não quer.
Se não fosse viável atrair tal turista, a Paraíba e a Bahia não estariam construindo seus autódromos e kartódromos. Além disso, o Maranhão tem estudos para a construção de um outro autódromo e patrocina pilotos. Aqui, temos um tricampeão brasileiro de kart e apoio nenhum. Um piloto da equipe do Alexandre Barros no Brasileiro de Motovelocidade e apoio nenhum. Não me conformo com essa miopia.
Uma reforma no Autódromo poderia receber um novo kartódromo, mas principalmente, atrair grandes eventos para o Ceará.
Não prego caça às bruxas, mas penso que é preciso rever o modo como isso tem sido pensado. Um autódromo em bom estado viabiliza boas corridas e, quando não estiver sendo usado para isso, pode ser alugado para eventos e com o dinheiro desses eventos, já que não há interesse no lucro, parte dessa receita poderia voltar para o fomento das categorias locais, construção de escola para formação de novos mecânicos. E quem sabe o uso da pista para formação de novos motoristas? E quem sabe um convênio semelhante a outros estados, onde presos com bom comportamento são levados para dar manutenção ao autódromo em troca da redução da pena e, consequente diminuição dos gastos para manter o equipamento público em condições de receber as corridas?
Acho que é preciso um pouco de boa vontade, de união em torno de um bem maior. O automobilismo é um arranjo produtivo e precisa ser entendido desta forma”.