Diferente das histórias de pilotos de karts que estamos acostumados a acompanhar, que começam nas categorias de base e seguem rumo ao automobilismo, atualmente no país existem vários pilotos que, por um motivo ou outro, começaram a correr quando adolescentes, pararam e, depois da vida estabelecida, retomaram a paixão pela velocidade.
O mineiro Bruno Fusaro, campeão do GP Brasil de Kart 2010, pela categoria Super Sênior, é um destes exemplos. Aos 13 anos, em 1979, ele começou a competir na cidade de Salvador (BA). Participou de competições regionais, estaduais, nacionais, mas, para acompanhar a família que mudou para o Japão, teve de deixar de competir. 25 anos mais tarde e com uma carreira profissional estabelecida, o piloto voltou às pistas para praticar as competições de kart como uma válvula de escape do cotidiano.
Bruno, que exerce a profissão de Relações com Investidores de uma grande corporação, criou uma equipe de kart voltada para a divulgação de sua profissão e das relações das competições com o mercado de capitais.
Acompanhe abaixo a entrevista com o piloto:
Início da Carreira
1) Como você conheceu o kart e começou sua história nas corridas?
Bruno Fusaro - Foi uma daquelas histórias de amor à primeira vista. Eu e meu pai passávamos de carro em frente ao antigo kartódromo do Stiep em Salvador, quando ouvimos aquele barulho de motor 2 tempos naquele pequeno carrinho zunindo à nossa frente. Resolvemos parar para entender do que se tratava, e ao sair, havíamos encomendado o meu primeiro kart, um Mini SSII. Foi em 1979, aos 13 anos de idade.
2) E qual foi o passo seguinte?
Bruno Fusaro - Iniciei participando das primeiras etapas do Campeonato Baiano que, não só era muito organizado, mas tinha também um forte apoio da mídia local. Na época, a categoria dos menores se chamava 4ª Menor e o motor era o mesmo 125cc da categoria principal, porém com um carburador, ao invés de dois, utilizado pelas demais categorias. Em seguida, com a mudança da família para Belo Horizonte (MG), a experiência subseqüente foi o famoso estacionamento do Mineirão. Apesar do saudosismo que ele remete especialmente aos pilotos mineiros, não há como se imaginar que o esporte pudesse se desenvolver ali. Com a inauguração em 1980 do kartódromo Rio Verde, às margens da BR-040, tivemos a oportunidade de ver o kartismo mineiro vivenciar um grande crescimento. Nos fins de semana de prova, a arquibancada (morros que circundavam a pista) ficava lotada e os espectadores podiam ver os quase de 80 pilotos locais disputarem retas e curvas em um traçado muito seletivo. Nesse período, a mídia mineira deu forte apoio também ao kartismo e com certeza teve papel preponderante para atingirmos aquele forte número de praticantes. Tive ainda naquela época a chance de disputar o Brasileiro em Chapecó (SC), além de competir na então maior pista da América do Sul, o kartódromo José Carlos Pace em Uberlândia (MG), e ainda palpitar no desenho da pista que seria construída em Ipatinga (MG).
3) Nesse período como era o desenvolvimento do esporte em termos de equipamentos, técnica e pilotagem?
Bruno Fusaro - Não se compara, é outro mundo. O esporte se profissionalizou ao extremo. O kart é hoje uma mini versão da Fórmula 1. Se antes pouquíssimos pilotos eram profissionais, e o utilizavam muito mais como esporte de base e formação, hoje existem pilotos dedicados, ou seja, que vivem do kartismo. É o caso do André Nicastro, por exemplo, que esteve recentemente competindo pela nossa equipe, a BF Racing. Ainda falando de tempos atuais, assim como na Fórmula 1, um piloto e sua equipe dispõem de um grande número de ferramentas que os permitem acompanhar o desempenho em cada trecho da pista, em cada detalhe, via telemetria e outros mais. O volante de um kart hoje dispõe de informações “real time” como: velocidade, tempo por trecho, RPM do motor, temperatura da água, entre outras coisas, que mais tarde serão analisadas pelo computador. Nada disso havia nos karts da década de 80. Isso sem contarmos a estrutura interna de cada piloto e equipe, com assessoria de imprensa, marketing etc. Não há como comparar. Com toda a tecnologia disponível, o piloto tem muito mais facilidade de desenvolver e aprimorar sua pilotagem.
4) Na década de 80 você chegou a conhecer Ayrton Senna, como foi esse encontro?
Bruno Fusaro - Tive a oportunidade de estar com ele em duas ocasiões. A primeira no Brasileiro de Chapecó (SC), e a segunda em um teste em Belo Horizonte (MG), que ele fez para a fábrica brasileira de chassis Zap, que tentava adaptar o chassis italiano DAP, que ele Ayrton era o piloto oficial. Sem dúvida o Ayrton era diferenciado, guiava diferente de todos, e desde o kart, era muito rápido. Certa vez tentaram promover um desafio entre ele e o Toninho da Matta, que acabou não acontecendo. Eram estilos muito diferentes, o Toninho muito ‘redondo’, e o Ayrton naquele estilo agressivo dele. Seria interessante. Se você me perguntar quais foram os pilotos mais rápidos e parâmetros no esporte, disparadamente vou responder que foram ambos. Recentemente, vendo o Nicastro guiar, ele me fez lembrar um pouco o Senna do kart. Pelo menos no kart... Mas o Toninho para mim era o “cara”...
Período afastado
5) Durante o tempo fora das pistas você acompanhou o esporte? Tinha algum piloto favorito?
Bruno Fusaro - Não. Foram 25 anos longe, muito longe. Eu sabia que se em algum momento voltasse a me aproximar do esporte, voltaria para competir. Não deu outra. Houveram dois anos nos quais, excepcionalmente, nem Fórmula1 eu acompanhava. Foi quando o Senna faleceu. Outro acidente que mexeu muito comigo foi o do Cristiano da Matta na Cart. Embora não tivéssemos o menor relacionamento (as poucas vezes que estive em sua casa foi para estar com o pai, Toninho, e a Marilu, quando ele era um menininho), fiquei muito chocado. Na inauguração do kartódromo RBC, o Toninho me reapresentou a ele, fiquei muito feliz pelo fato dele estar bem. Eu me lembro dele andando de velocípede...
6) Como aconteceu sua volta ao esporte? Nessa fase qual era seu objetivo?
Bruno Fusaro - Como eu previa, bastaria uma volta de kart e o desejo que hibernava, floresceria. Um amigo, o Álvaro Andrade, me convidou para participar de uma prova de kart “indoor” no grupo dos ‘Velozes do Kart’, em Belo Horizonte. Não me lembro exatamente em que posição larguei, já que era sorteio, só me lembro que venci, após 25 anos afastado. Não tinha como não voltar para o kart, não é? Quanto ao objetivo, desde o primeiro momento, sempre foi o de voltar andando bem. E foi o que conseguimos, ao vencer as primeiras provas na categoria F400 Light. Só no 2º ano acelerei os 125cc.
7) Como foi readaptar a parte física nessa volta para o kart?
Bruno Fusaro - Depois que parei com o kartismo, fui ciclista e triatleta. Felizmente, ou infelizmente, a competição está no sangue. Hoje, aos quase 45 anos, estou quase no peso de quando era atleta, e de elite. Fui campeão mineiro de ciclismo na década de 80 e cheguei a ter um dos melhores tempos no ‘quilômetro contra o relógio’ em velódromo no Brasil. Nesse momento estou fazendo um planejamento de provas de atletismo de 10 km e meia-maratona para participar nesse ano e no ano que vem.
Retomada da carreira
8) Como foi a adaptação aos novos equipamentos?
Bruno Fusaro - Confesso que só mais recentemente comecei efetivamente entender melhor, e realmente assimilar as reações do equipamento. Hoje já sou capaz de chegar no box e dizer não só a reação, mas de onde está vindo o problema. Mas não há como ser muito diferente. A prática é necessária. Não basta dizer que acha que está saindo de frente ou de traseira, é preciso entender o porquê e de onde vem o problema, conhecer as alternativas de correção.
9) Hoje, como você concilia o esporte, sua vida profissional e família?
Bruno Fusaro - Essa é a maior dificuldade. Particularmente, pela natureza do meu trabalho, tenho mais dificuldades que outros executivos e empresários, pois trabalho vários dias do mês fora da cidade, e do país. Além disso, tem o lado familiar, que é simplesmente o alicerce de tudo o que somos. Lá em casa somos cinco: esposa, três filhos, e eu. No fundo, é o ambiente familiar saudável que te dá condições para trabalhar e, no meu caso, me dedicar ao kart também, com tranqüilidade. Apesar disso, tenho que dizer que a esposa não é muito fã do esporte pelos riscos envolvidos. O que sempre tento mostrar a ela é que estamos sempre sujeitos a riscos, e que quando é para ser, é para ser...
10) Após 20 anos qual o sentimento de conquistar um título nacional como o GP Brasil RBC logo no início desta temporada?
Bruno Fusaro - Fiquei muito feliz. Foi a primeira prova do ano, então começamos muito bem, e vencendo em nível nacional. Apesar de já termos quase dois meses da realização do evento, continuamos muito rápidos e competitivos, até mais do que naquele momento específico. Que venham as corridas e os campeonatos...
11) Quais os planos para 2010?
Bruno Fusaro - Em função de compromissos profissionais e de família, o planejamento da BF Racing para 2010 prevê participação no Campeonato Mineiro e na Copa do Brasil, além do GP Brasil, que já aconteceu. Se houver outro campeonato local, e dependendo das datas, analisaremos a potencial participação.
Automobilismo e mercado financeiro
12) Atualmente a sua atividade profissional é diretamente ligada ao mercado financeiro. Existe alguma ligação da profissão de Relações com Investidores com o automobilismo? Quais os pontos você destacaria?
Bruno Fusaro - Essa pergunta é simplesmente relevante. Qualquer esporte pode se conectar a qualquer setor, seja ele diretamente ligado ou não ao esporte. O importante é entender que do ponto de vista do patrocinador, o kart, carro, monoposto etc pode ser utilizado como uma importante ferramenta de comunicação e marketing. Na essência, o que é necessário se passar ao potencial patrocinador é que ele pode tomar “emprestado” a emoção que o esporte oferece e repassar ao seu produto. Agora, imaginar que simplesmente se chegar e oferecer um espaço na carenagem e no macacão é suficiente, é, no mínimo, muito amadorismo. É necessário muito mais. O mundo hoje é profissional e a não ser que o patrocinador seja o pai, a família ou o amigo, será necessária mais criatividade. Acho que as pessoas ainda estão presas a conceitos antigos. O mundo mudou.
13) Como surgiu a idéia de criar uma equipe de kart com estes ideais?
Bruno Fusaro - Quando voltei a competir em 2008, haviam muitas corporações no país abrindo capital, indo às bolsas de valores buscar recursos para financiar seu crescimento. Foi o ‘boom’ dos chamados IPOs. Como conseqüência, a escassez de profissionais da área de Relações com Investidores era grande. Na ocasião, eu era vice-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores e trabalhava em diversas frentes para difundir a profissão, tentando atender a escassez de profissionais. A ligação com o kart veio daí. Pensei que poderia usá-lo como mais uma forma de divulgação. Um tanto diferente, mas por que não? Daí a idéia se expandiu para uma equipe de RI apoiada por participantes desse mercado. Nesse desenvolvimento, a FIRB, empresa de consultoria em Relações com Investidores, e a revista RI tiveram um papel preponderante, inclusive no trabalho de divulgação da BF Racing.
14) Você acredita que a BF Racing consegue conciliar bem estes pontos?
Bruno Fusaro - A nossa estrutura hoje está dividida em área de competição, que está sob a gestão da Center Kart, coordenada pelo David, e na área de comunicação e marketing, onde somos auxiliados pela Quick Comunicação e Marketing e também pelo Amaury Gonçalves. Mas há muito que se desenvolver ainda, em ambas as áreas. A questão é conciliar agenda do profissional de RI, Bruno Fusaro, com a da BF Racing, que está se tornando a cada dia mais profissional. Infelizmente o problema é o tempo disponível, grande adversário de todos nós nos dias atuais. Porém, não tenho qualquer dúvida que a BF Racing tem a melhor estrutura do kart mineiro.
15) A BF Racing tem como apoiadores várias empresas ligadas a este mercado. Foi complicado convencer estes empresários a acreditar em um projeto no kartismo?
Bruno Fusaro - Nunca é fácil, mas é possível. Precisamos mesmo é da criatividade para sairmos dessa mesmice que está aí. No caso do Brasil, é futebol, futebol e de vez em quando um vôlei para quebrar a rotina. E nada mais. Agora o Kouros está tentando profissionalizar o basquete nacional com a Liga. Do outro lado, existe um mundo de esportes considerados alternativos. É lá que estamos, e precisamos pelo menos chamar atenção de um algum nicho que seja capaz de manter em alta o esporte. No caso da BF Racing, cujo foco hoje é o mercado de capitais, os espaços vão sendo abertos para os participantes desse mercado. É motivo de satisfação visitar apoiadores que, hoje, no hall de entrada de suas sedes, estampam quadros da BF Racing, ao lado das tradicionais pinturas que decoram o ambiente. Isso é uma demonstração que, não só acreditam no esporte em si, mas acreditam nele como forma de divulgação também.
16) Como o executivo Bruno Fusaro enxerga a gerência do esporte atualmente em âmbito estadual, no caso de Minas Gerais, e nacional?
Bruno Fusaro - Me sinto mais à vontade para falar em nível regional. Vejo que existe a muito boa vontade por parte dos organizadores do esporte em Minas Gerais, porém não há como negar a limitação de recursos humanos e de capital que o envolvem. Assim, considerando essa condição, penso que é necessário repensarmos. Veja, se a Federação não tem recursos financeiros suficientes, não organiza provas. Se ela não organiza provas, não existirão pilotos, tampouco patrocinadores. Ou seja, se não temos provas não existe o espetáculo para ser vendido. Não podemos conviver com a realização de uma ou duas prova a cada cinco meses. Isso tem um nome, espiral da morte. O novo kartódromo da RBC nos dá uma condição real quase única de vivermos um kartismo forte novamente no estado de Minas Gerais. Não podemos deixar a oportunidade passar.
17) Quais as sugestões você daria para o kartismo voltar a crescer em Minas?
Bruno Fusaro - Do ponto de vista do piloto, é absolutamente necessária a sequência de competições para que possam se desenvolver. É necessário também dar substância ao grid de largada. Só assim pilotos locais terão condições de se prepararem para enfrentar os verdadeiros profissionais do kart. A alternativa é competir fora, mas não é assim que Minas será um celeiro de pilotos. Do ponto de vista empresarial, e aí eu quero dizer, apoio financeiro, creio que torna-se preponderante um trabalho mais focado, de segmentação, construção de imagem, conectividade com nichos específicos. Não adianta atirar para todo lado. Mas essa é só a visão de quem está de fora. De qualquer forma, um termômetro de tudo que se passa é o da visão dos pilotos. Afinal, são eles os responsáveis pelo espetáculo. Creio ser necessária uma aproximação maior entre as partes, quero dizer, além de dirigentes e empresários do esporte, uma maior participação nossa, os pilotos. Temos que participar das decisões também. É como a teoria do John Nash, do ganha-ganha. Essa seria minha sugestão.
Todo o trabalho da equipe pode se acompanhado através de seu web-site: www.bfracing.com.br onde se encontram também, notícias, histórico e muito mais.