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21/05/2019 12:06

Imortal, Niki Lauda é tema da coluna do jornalista Wagner Gonzalez nesta semana

Fonte: Portal Kart Motor | Erno Drehmer


Foto: Mercedes Benz

Niki Lauda


Hoje, dia 21 de maio – e mesmo ontem à noite, quando quase todos nós recebemos a notícia – estamos mais tristes. Perdemos um deus do automobilismo, um “super-homem”, um quase imortal. Ou, quem sabe, até mesmo um imortal?

Andreas Nikolaus Lauda, ou NIKI LAUDA, aos 70 anos, nos deixou na noite desta segunda-feira, depois de escrever uma das histórias mais fantásticas do automobilismo de todos os tempos.

Wagner Gonzalez, jornalista especializado em Fórmula 1 e que em sua carreira foi assessor de imprensa de Ayrton Senna, é nosso colunista. E na coluna desta semana ele fala de Niki Lauda.

O austríaco, nascido em Viena, em 22 de fevereiro de 1949, não começou sua carreira no kartismo, como os pilotos de Fórmula 1 dos últimos anos. Mas, pela envergadura e estatura de tudo o que fez no automobilismo, merece hoje um espaço especial aqui no Kart Motor.

Imortal, Lauda parte aos 70 anos

Raros nomes do automobilismo mundial e poucos no cenário mundial de negócios, conseguiram a unanimidade de Andreas Nikolaus Lauda. Indivíduo dos mais motivados e focados, abdicou a carreira de herdeiro de uma importante instituição financeira familiar para ir atrás do seu ideal. Ao final de sete décadas de existência terrena (22/2/1949 a 20/5/2019), deu seu último suspiro sempre ligado a grandes momentos da Fórmula 1 e com a mesma emoção que o levou a conquistar três títulos mundiais e consolidar seu espaço entre os grandes do esporte.

O último título foi conquistado por escasso meio ponto e ao volante do icônico McLaren MP4/2 TAG. O pódio dessa conquista, o GP de Portugal de 1984, é o retrato de uma era da F1: nele esse austríaco nascido em Viena foi ladeado por seu sucessor imediato, Alain Prost, e a então estrela em ascensão Ayrton Senna. Há alguns anos o austríaco era o presidente não executivo da Mercedes-Benz e figura central no programa de competições da marca.

Niki Lauda significa para o automobilismo muito mais que um tricampeão mundial de F1 – seus outros títulos foram conquistados em 1975 e 1977. Capaz de misturar boas doses de frieza empresarial com a emoção de fazer negócios de perfil glamoroso, ele investiu boa parte da fortuna construída em terra em companhias aéreas; Lauda Air e Niki as mais importantes entre várias outras associadas a companhias de maior porte. A paixão pela velocidade no ar foi semelhante a aquela que o destacou nas pistas: ele possuía brevê para pilotar vários aviões que compuseram a frota que cruzava os céus da Europa, Ásia, Austrália, África e, por breve período, para capitais do nordeste do Brasil.

Além dos Boeings 737 e 767 que Lauda pilotou, a companhia aérea chegou a operar Boeing 777, Airbus A320 e Bombardier CRJ-100, todos eles batizados sugestivamente com os nomes de Janis Joplin, Frida Kahlo, Ernest Hemigway, Enzo Ferrari e até mesmo Ayrton Senna. Ao incomodar a Austrian Airlines, companhia de bandeira do país, iniciou uma guerra política que culminou na incorporação da empresa do piloto pela estatal austríaca.

A Lauda Air existiu de abril de 1979 a julho de 2012. Anos mais tarde, entre novembro de 2003 e dezembro de 2017, Niki usou o apelido para batizar uma nova empreitada no gênero low cost e que chegou a operar 84 aviões, incluindo sete Embraer ERJ 190, alguns deles batizados como Samba, Lambada, Calypso, Rumba e Tango. Estes aviões atualmente são operados pela Helvetic Airways e voam nas cores da Swiss, companhia que sucedeu à Swissair e incorporou a Crossair, cliente que lançou a família E-175 da empresa brasileira.

Os dois títulos na Ferrari poderiam ter sido três consecutivos: em um final de semana chuvoso na metade da temporada, em Nürburgring, Niki Lauda tentou convencer seus colegas a não largar, cena imortalizada no filme Rush, de Ron Howard, e gravada na mente de todos os entusiastas do automobilismo desde a terceira volta do GP da Alemanha disputado no primeiro dia de agosto de 1976.

Ao se aproximar da curva Bergwerk, o Ferrari 312 T2 número 1 avançou sobre a zebra e foi impulsionado contra o guard-rail do lado oposto e, em seguida, atingido pelo Hesketh-Ford 308D de Harald Ertl e pelo Surtees-Ford TS19 de Brett Lunger. No choque a estrutura de borracha do tanque de combustível rompeu-se e provocou um incêndio. Ertl, Lunger e Guy Edwards, que conseguiu evitar que seu Hesketh-Ford 308D atingisse o Ferrari, tentaram retirar Lauda do cockpits, mas apenas o franzino italiano Arturo Merzario conseguiu enfrentar as chamas o tempo suficiente para soltar a fivela do cinto de segurança, que estava travada.

A ingestão de gases tóxicos foi quase fatal para o austríaco, que após ser atendido no Hospital de Adenau, foi transferido para a Clínica Universitária de Mannhein, onde iniciou um longo e dolorido processo de desintoxicação. Quarenta e dois dias depois o austríaco alinhava no GP da Itália; sua cabeça estava envolta em bandagens que cobriam queimaduras e escondiam o que restou de sua orelha direita. A força de vontade e o desejo de sobreviver, porém, seguiam intactos. Da mesma forma, o respeito aos riscos desnecessários o levou a abandonar o primeiro GP do Japão da história da F1, prova que encerrou a temporada daquele ano. Chovia forte na terceira volta quando Lauda entrou nos boxes e foi sucinto ao declarar que era mais importante sobreviver do que outra coisa. Danielle Audetto, então chefe da Scuderia Ferrari, tentou convencê-lo a dar uma justificativa diversa, alegando uma falha no carro, mas não obteve sucesso na empreitada.

A F1 caminhava para o final a temporada de 1979 e a Brabham, equipe que defendia desde o ano anterior, chegava ao Canadá com dois novos BT49, chassi equipado com motores Ford Cosworth V8 em lugar dos pesados e pouco confiáveis V12 Alfa Romeo. Lauda completou 10 voltas no treino de sexta-feira, parou no box e foi para o aeroporto de Mirabel, passando rapidamente no hotel para pegar sua bagagem. Em que pesasse os esforços de Bernie Ecclestone em tentar convencer a todos de que Niki não se sentia bem, não demorou muito para que todos soubessem que ele, conforme suas próprias palavras, estava “cansado de ficar andando em círculos” e que o argentino Ricardo Zunino o substituiria a partir de então. Três anos depois ele voltava para coroar sua carreira com três temporadas na McLaren e seu terceiro título mundial.

Lauda voltou às pistas em 1982, aceitando o convite de Ron Dennis para disputar três temporadas. Nos muitos anos que acompanhei a F1 tive inúmeras oportunidades de entrevistar e interagir com Niki Lauda, como aquele momento de coragem do repórter em começo de carreira nos treinos livres para o GP de 1976, no Interlagos de oito quilômetros, até para falar da Lauda Air durante um GP de 1998. Ao mencionar meu interesse em voar por sua empresa aérea para o GP da Austrália de 1999, ele me aconselhou a procurar um certo funcionário em Londres. Ao ligar para o executivo, descobri que Niki tinha instruído para facilitar a emissão de meu bilhete para Melbourne.

Verdadeiro super-homem, Andreas Nikolaus Lauda vendeu seu Porsche 911 para investir na sua carreira, no seu ideal de felicidade, contrariando Ernst-Peter Lauda, seu pai, importante banqueiro austríaco. Sobreviveu ao desafeto paterno, a um incêndio em Nürburgring, a um transplante de rim, outro de pulmão, construiu e se desfez de empresas aéreas, foi três vezes campeão mundial de Fórmula 1, presidente não executivo de umas maiores fábricas de automóvel do mundo e, mais importante do que tudo isso, sempre foi fiel a seus princípios. Por tudo isso jamais será apenas uma lembrança para aficionados do automobilismo: quem ouviu falar do seu nome sabe que ele é imortal.

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