Um dos principais celeiros do automobilismo e do kartismo no Rio Grande do Sul está em Passo Fundo, cidade que em poucos dias receberá a decisão do Campeonato Gaúcho de Kart, mais exatamente de 9 a 11 de novembro. Será quando serão comemorados os 40 anos das primeiras corridas de kart na cidade.
A prova que homenageará os 40 anos do kartismo em Passo Fundo será da categoria Força Livre, onde os pilotos poderão competir com chassi de modelo e ano livres, sem freios dianteiros, e motores também livres. Toda a regulamentação desta categoriaserá divulgada ainda esta semana.
Tudo começou pelo Campeonato Citadino de Kart de 1972, criado pelas mesmas lideranças e pilotos que deflagraram e organizaram as primeiras corridas em cidades próximas, como Erechim, Cruz Alta, Getúlio Vargas e na catarinense Lages. Passo Fundo realizava corridas de carros em suas ruas, mas em 1968 provas neste formato passaram a ser proibidas no Estado.
A solução para os pilotos passou a ser o kart e o “boca a boca” em 1972 dava conta de que aconteceriam corridas na cidade. Onde, porém, ninguém sabia. Moacir Cabeda e Hércules Borges compraram dois chassis Mini, logo seguidos por Paulo Trevisan e João Carlos Klaus, que adquiriram os Maxi Mini. Mauro Machado, Roberto Tasca, Sérgio e Hélio Ughini, Paulo Tagliari e tantos outros logo seguiram o exemplo e os treinos começaram, em pistas e locais improvisados, no trevo da TransBrasiliana, no pequeno trecho de asfalto em direção à Xangrilá, mas especialmente na pátio fechado da CESA, que era gentilmente cedido nos finais de semana.
“Juntava a juventude no local e o número de karts não baixava de 10, treinando até detonar os pneus e seus motores”, lembra Paulo Trevisan, dono do Museu do Automobilismo Brasileiro e um dos grandes ícones do esporte no Brasil. “Nosso conhecimento técnico era mínimo. Um detalhe que não sabíamos era que para o motor pegar e funcionar se deveria correr com a traseira levantada e não arrastando as rodas no chão. Detalhes primários e que os mecânicos e ajudantes não sabiam no inicio. Muitos já eram acostumados a empurrar DKW, que com motor envenenado exigia muita força para pegar”, diverte-se Trevisan.
O grid chegaria a mais de 20 karts no primeiro campeonato no ano de 1972. Vários correram em duplas porque as provas eram categoria única e geralmente de três a quatro baterias por etapa. Importante lembrar que alguns desses eram filhos de pilotos das antigas carreteras e pelo menos oito tinham experiência e disputavam corridas no Campeonato Gaúcho com Simca, Gordini, DKW ou Opala. Ou seja, o kart foi um desaguadouro natural dos pilotos, filhos de pilotos e jovens aspirantes.
Na primeira prova, disputada em 5 de junho de 1972, após transferirem data anterior porque estavam sendo comprados novos chassis, uma surpresa: chuva! “Ninguém era acostumado com isso e nem existiam pneus de chuva”, diverte-se, mais uma vez, Paulo Trevisan.
Então nas ensaboadas Avenidas General Neto e Rua Independência aconteceu a prova inicial, com largada lançada dos 15 karts na frente do bar Oásis. Após dobrava a direita na Rua Independência e fazia um retorno, voltando à General Neto e, assim, contornava os canteiros dos coqueiros na época existentes. Aconteceram acidentes e nem os sacos de areia improvisados evitaram alguns machucados. Na soma das quatro baterias com 12 minutos cada o vitorioso foi Hércules Borges, com 22 pontos. Após Paulo Tagliari – que disputou a ponta ferozmente –, Ison Iaione, Paulo Trevisan e João Carlos Klaus, Roberto Tasca, Celso Menegaz.
Portanto, o primeiro vencedor em corridas de kart em Passo Fundo foi Hércules Borges. A melhor volta indicada pela cronometragem registrada pela equipe de Paulo Magro foi feita pelo piloto Paulo Tagliari.
Por uma questão histórica é importante registrar os pilotos que participaram dessa prova inaugural: Paulo Tagliari, Mauro Machado, Ivanio Bernardon, Ernani Rigon, Sergio e Helio Ughini, Paulo Trevisan, João Carlos Klaus, Joaquim Albuquerque (de Carazinho), José Schroeder, Antonio Carlos Oltramari, Caetano Borella, Moacir Cabeda, Hercules Borges, Roberto Tasca, Nilton Bertão, Ison Iaione, Nereu Grazziotin, Edson Bertão, Guilherme Wolff, sendo que os três últimos receberam os karts na semana anterior.
Um dos grandes destaques era a junção e formação de preparadores excelentes como Carlos (Aio) Ortiz, João Finardi, Alexandre Tagliari, que também viriam a ser excelentes pilotos e a quem o kartismo de Passo Fundo e do Rio Grande do Sul deve muito. Outros se integrariam em seguida, como Fernando e Gilberto Cogo, Busato, Arnaldo Fontanella, Neri Lago, Cesar Ghighi, Job Iaione Filho, Luiz Carlos Tizatto, Nilson Grazziotin e Ivan Tissot. E, agregados nesse entusiasmo, havia pessoas como Mosca, Canfield, DalPont, Marson, Helbling, Carlos Martins e tantos outros.
A segunda prova, realizada no trevo da perimetral para Porto Alegre teve largada dada por Italo Bertão e foi vencida por Paulo Trevisan e João Carlos Klaus. Em segundo chegou Mauro Machado, que formara uma equipe bem estruturada com o saudoso preparador Alexandre Tagliari. E Mauro já usava capacete personalizado e macacão de piloto de verdade, já que a maioria dos macacões era de postos de combustível e até fardamento de frigorífico, como se vê em algumas fotos da época.
A terceira prova foi no mesmo trevo e Paulo Trevisan e João Carlos Klaus, mesmo tendo vencido duas das quatro baterias, ficaram em segundo na geral perdendo para Hélio Ughini, que viria a se tornar um grande expoente do kartismo de Passo Fundo até os inicio dos anos 90. Aliás, desses pilotos pioneiros vários seriam campeões gaúchos nos anos 70 e 80. O grande destaque foi Roberto Tasca, bicampeão gaúcho pela famosa equipe Semag, de Porto Alegre. Hélio Ughini e João Carlos Klaus também viriam a ser campeões estaduais.
A quarta prova retornou para o centro da cidade e, com largada na General Neto na frente da Garagem São José, passava em frente da antiga Ford e contornava o posto de combustível até hoje existente na esquina com Rua General Osório. Corriam para retorno no meio da quadra e faziam em alta velocidade a esquina da Casa Rayon . Foram pegas sensacionais entre Sergio Ughini, Hercules Borges e Paulo Trevisan, cada um vencendo bateria, ficando Ughini como fita azul. O público era imenso e significava realmente um acontecimento na cidade. A imprensa noticiava os preparativos e fartamente os resultados, e o Meirelles Duarte sempre estava presente e apoiando como até hoje faz por gosto pelo kartismo.
Assim que, em 1972, aconteceram oito corridas de kart na cidade, e o campeonato ficou embolado e muito discutido, não sendo ninguém indicado como campeão oficial daquele ano. Mas uma coisa importante aconteceu: a Associação Automobilística de Passo Fundo (AAPF) – hoje o Kart Clube de Passo Fundo (KCPF), com voto na FGA – já começara a falar e discutir a necessidade de construir um kartódromo.
“E a primeira reunião oficial”, diz Trevisan, que guardou esse material de época e muitos outros tesouros do automobilismo e kartismo brasileiro, “aconteceu no movimentado Bar dos Bresolin, ao lado do Clube Caixeiral”, continua.
A doação feita por Irani Laimer da atual área na Roselândia, o grande empenho inicial com maquinas do Sr. Lander Machado e o empenho de apaixonados pelo automobilismo fez nascer a primeira pista precária, lá pelos idos de 1975, 1976. Mas as maiores exigências do esporte só possibilitaram a inauguração oficial do atual kartódromo em 1979. Nas décadas seguintes o kartódromo teve grandes apoiadores e o asfaltamento corajoso do prefeito Fernando Machado Carrion e o apoio também do prefeito Edu Villa de Azambuja.
Nas décadas seguintes grandes apoios e esforços das famílias Bertol e Stédile e outras empresas e entusiastas mantiveram o crescimento do esporte e do kartódromo em Passo Fundo. E o kartismo sempre convivendo com momentos de grandeza e de crise. No geral nunca mais recebeu apoio do poder público, e isso que o kartódromo é um patrimônio valioso para a comunidade, formador de caráter e personalidade sadia e competitiva dos jovens como os frequentadores o sabem. Muita água rolou na pista e fora dela, mas aí são outras inúmeras histórias.
Tudo isso nasceu lá em 1972 e por essa razão, na prova final do Campeonato Gaúcho, esses bravos pioneiros se reunirão para um almoço no restaurante do kartódromo, com vários karts de época, pertencentes ao Museu do Automobilismo Brasileiro, em exposição estática. Estarão lá para relembrar o início e falar da sua eterna paixão que é o automobilismo. Com chuva ou sem chuva? Quem sabe para algumas voltas na pista? O mais importante será a confraternização e o registro da memória de todos os que participaram desse feito.